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Proteste: franquia na internet fixa é ilegal, discriminatória e excludente

Associações de defesa do consumidor participam amanhã de debate na Câmara e questionam determinação da Anatel que impõe restrições a um serviço essencial básico

Marcos Santos/USP Imagens

Acesso à internet é essencial para o exercício da cidadania e deve ser fornecido de forma contínua, ser interrupção

São Paulo – A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) participa amanhã (8) na Câmara dos Deputados de debate sobre a proposta de limitação do serviço de internet fixa, alertando para a ilegalidade da suspensão do serviço após o término da franquia, planejado pelo governo interino de Michel Temer, e para o risco de exclusão social representado por esse novo modelo de negócios que as empresas de telefonia pressionam por adotar.

O encontro, promovido pela Frente Parlamentar Mista pela Internet Livre e Sem Limites, terá também a presença de representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Direito do Consumidor (Idec) e da superintendente de relações com consumidores da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Elisa Vieira Leonel.

advogada Flávia Lafèvre, da Proteste, afirma que, de acordo com o Marco Civil da Internet (2014), a conexão à rede é serviço essencial para o exercício da cidadania e, assim sendo, deve ser fornecido de forma contínua, não podendo ser interrompido, como determina o Código de Defesa do Consumir, configurando condição análoga à serviços como água e eletricidade, por exemplo.

Atualmente, o serviço de banda larga fixa nas residências e empresas é cobrado de acordo com a velocidade de navegação contratada, sem teto de uso da internet. No entanto, um regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), publicado pela Anatel em maio de 2013, permitiu a instituição da franquia de consumo para internet fixa. Algumas operadoras, como a NET, já tinham a previsão de franquia em seus contratos, mas a suspensão dos serviços por conta do fim da franquia não vinha sendo aplicada pelas empresas.

O Marco Civil estabelece que o serviço só poderá ser interrompido caso o consumidor deixe de pagar e incida em débito com a companhia prestadora de serviço. Além dessas infrações, a advogada da Proteste afirma que, caso se adote prática similar ao que vem sendo adotada na internet móvel, que ao final da franquia, apenas alguns serviços e aplicações como Facebook e WhatApp permaneceriam funcionando, as operadoras estariam por quebrar com a neutralidade da rede, outro princípio garantido na legislação que regula o uso da rede.

“Quando a companhia, ao final da franquia, bloqueia o acesso a todos os sites e aplicações, menos os sites e aplicações fornecidos por empresas que têm acordos comerciais com ela, está desrespeitando uma outra garantia do marco civil da internet, que é a neutralidade da rede. É uma discriminação”, afirma Flávia Lafèvre.

Em maio de 2015, a Proteste entrou com ação civil pública contra as principais operadoras de internet móvel por conta desse desrespeito à neutralidade da rede e, nesse momento, vê o risco de a prática se alastrar também para os contratos de internet fixa.

A advogada afirma ainda que o custo do serviço se dá pela conexão e não pela quantidade de dados que por ali trafegam. “Não é que nem um tubo de água que tem uma capacidade determinada de metros cúbicos que podem passar por ali”, e não cabe a cobrança de um adicional após se ultrapassar a franquia, o que configuraria cobrança indevida por aumento injustificado do preço.

Com dados de relatório da Anatel para a banda larga no Brasil, a advogada afirma que as operadoras de telefonia e demais prestadoras de acesso à internet expandiram o serviço sem o investimento equivalente em infraestrutura e, agora, pretendem repassar indevidamente esses custos aos usuários.

Segundo o relatório, em 2012 as conexões de internet fixa não alcançavam 20 milhões de domicílios, que entregavam em torno de 70% das metas de velocidade estabelecidas. Já em agosto de 2015, as conexões subiram para cerca de 25 milhões, mas as metas de velocidade caíram para menos de 60%, o que denota a falta de investimentos.

Exclusão social

Segundo a advogada da Proteste, o estabelecimento dos limites de dados na internet fixa tem por objetivo liberar a rede para os usuários que se dispuserem a pagar os custos adicionais, prejudicando assim o consumidor de baixa renda, inclusive aquele que sequer possui internet fixa em casa, mas se utiliza do serviço pelas conexões wi-fi em outros locais.

Com o estabelecimento das franquias, o acesso a esses outros pontos, como nos ambientes de trabalho, por exemplo, podem ser cerceados também. “O objetivo expresso do Marco Civil da Internet, que é a promoção da inclusão digital, vai por água abaixo”, afirma Flávia.

Na encontro de amanhã, a Proteste deve questionar ainda se a Anatel, que autorizou a implementação das franquias para a internet fixa, tem atribuição legal para tanto. Segundo Lafèvre, norma editada pelo ministério das Comunicação, em vigor desde 1995, diz “textualmente” que o serviço de conexão à internet é um serviço de valor adicionado.

A Lei Geral de Telecomunicações (9.472), de 1997, por sua vez, diz que o serviço de telecomunicação não se confunde com o de serviço de valor adicionado, não cabendo, portanto, à Anatel a regulação da relação entre o consumidor e o provedores de acesso, mas apenas entre as empresas de telecomunicação e os provedores.

As relações com o consumidor deveriam ficar a cargo de um sistema de fiscalização estabelecido pelo também pelo Marco Civil da Internet, e regulamentado em decreto publicado no mês passado (Decreto 8.771/16), que a Anatel integra, mas acompanhada de outras órgãos, como a Secretaria Nacional do Consumidor, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)  – ambos vinculados ao ministério da Justiça –, e o Comitê Gestor da Internet (CGI), que reúne representantes da sociedade civil e do governo.