Retrato da desigualdade

Risco de morrer de covid-19 em UTI no Brasil é maior que no auge da pandemia na Itália

Entre fevereiro e agosto de 2020, 59% dos pacientes admitidos perderam a vida, ante 48% que morreram na Itália. Dados sobre a covid escancaram a desigualdade brasileira, com risco de morte maior na rede pública e pretos e pardos como a maioria das vítimas

Vinícius Quintão/FMUSP
Vinícius Quintão/FMUSP
Pesquisadores temem que a variante Omicron possa ser a mutação mais preocupante até agora, já que possui o maior número de mutações detectadas, mesmo em poucos dias

São Paulo – Reportagem da revista Piauí reflete o momento trágico do país com recordes diários no número de casos e mortes em decorrência da covid-19. Com base em dados compilados pelo site Pindograma, o veículo revela que entre fevereiro e agosto de 2020, 59% das pessoas admitidas em UTI com covid no país morreram. Enquanto que no auge da pandemia na Itália, em abril do ano passado, a mortalidade foi de 48%. 

Os números foram extraídos de pesquisa divulgada na revista The Lancet, – uma das publicações médicas mais importante do mundo –, sobre as primeiras 250 mil internações no Brasil. Entre 16 de fevereiro a 15 de agosto, as hospitalizações de pacientes com covid-19 indicam que o risco de morte foi de 38%. Se o paciente for encaminhado para a UTI, a chance dele morrer aumenta para 59% e chega a 80% se ele for intubado. Intitulada de “roleta russa da covid no Brasil”, a reportagem compara que o risco de morrer da doença ao ser hospitalizado equivale a colocar duas balas em um tambor de cinco tiros, rodá-lo e disparar contra a própria cabeça. 

Na avaliação do médico infectologista e professor universitário Marcos Caseiro, esses dados deveriam ser “uma vergonha para o país”. Em entrevista a Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual, o especialista alerta é que é “por isso que essa conta de ‘temos UTI e vamos abrir mais’ é uma falácia. Porque você ter mais UTI não implica em salvar vidas e sim em uma enorme mortalidade”, explica. “Imagina, em cada 100 pacientes intubados, 80 morrem”, ressalta. 

Retrato da desigualdade

O levantamento do site Pindograma, ainda revela que a doença que já tirou a vida de mais de 332 mil brasileiros está diretamente relacionada à desigualdade socioeconômica do país. Isso porque fatores como renda, raça, lugar de moradia e a existência de comorbidades foram decisivos para indicar quem são as principais vítimas do novo coronavírus. 

Nesses seis meses observados, a possibilidade de morrer de covid-19 em UTI da rede pública foi quase o dobro da verificada na rede privada. A mortalidade de pacientes com covid internados em leitos públicos foi de 53%, ante 30% verificados em UTI privadas. As mortes se concentram sobretudo na região Norte, com 79% dos internados mortos entre fevereiro e agosto. Em segundo lugar, está o Nordeste, com mortalidade de 66%, seguido pelo Sul, com 53%, e o Centro-Oeste, com 51%. 

A menor taxa foi registrada na região Sudeste, onde o risco de morte pela covid-19 em UTI foi de 49%. Pacientes com menos de 60 anos hospitalizados, apesar de estarem fora do grupo de risco da doença, também registraram o dobro das mortes no Nordeste (31%) na comparação com o Sul (15%). Além disso, o estudo revela que o risco de negros morrerem em decorrência da covid-19 é maior do que entre brancos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a mortalidade da doença é 42% maior entre pardos do que uma pessoa branca. Já entre uma pessoa preta o risco é 77% maior. 

Se expondo para sobreviver

Para além da falta de investimento público no Sistema Único de Saúde que, neste ano, teve o orçamento retrocedido a patamares pré-pandemia, os dados revelam “que as pessoas que têm dinheiro, classe média e a classe média alta, eventualmente, podem ficar em casa e se isolar. Agora, as pessoas mais vulneráveis, as 40 milhões de pessoas que estão vulneráveis e desempregadas, elas têm que ir para a rua, ir atrás de alguma possibilidade, já que o governo não fornece. Então essas pessoas mais vulneráveis se expõem e se contaminam mais. E, obviamente, dependem de uma assistência médica que tem, temos o SUS, mas que tem as limitações que sabemos”, observa Caseiro sobre a necessidade dos mais pobres de se expor por uma questão de trabalho e renda para sobreviver. 

“Então na verdade o que nós temos é que esses dados expõem de uma maneira inequívoca uma epidemia que acomete as pessoas de maneira desigual. Pretos, pardos, pobres são as pessoas como sempre mais vulneráveis. Porque os bacanas, o dono da igreja Universal, está tomando vacina lá nos Estados Unidos. Enquanto o povão aqui tem que esperar sua vez do serviço disponibilizar a ele. O que está cada dia mais difícil”, critica o infectologista na Rádio Brasil Atual

O estudo ainda conclui que o Brasil passou à frente dos Estados Unidos na taxa de mortalidade. O risco do brasileiro morrer em decorrência da covid está na faixa de 2,5%. Enquanto que nos EUA, a taxa de mortalidade atualmente é de 1,8%

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção


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