Mais Médicos

Médicos cubanos chegam dizendo que estão prontos para ajudar no que for preciso

Profissionais desembarcaram em Brasília com bandeiras de Brasil e Cuba, e discurso de que salário é o que menos importa. Chegada também contou com protestos de profissionais da área de saúde

"Vamos tratar a todos com muito respeito, mas também queremos respeito" <span></span>'Olê, olê, olá, Cuba, Cuba', gritavam os manifestantes no saguão do aeroporto <span>(Bruno Peres/RBA)</span>Algumas pessoas foram ao terminal manifestar desagrado pela vinda dos cubanos <span>(Bruno Peres/RBA)</span>Entidades estudantis foram recepcionar os médicos e dizer que são bem-vindos no país <span>(Bruno Peres/RBA)</span>Os médicos demonstraram que gostariam de ir ao Norte e ao Nordeste, mas disseram estar prontos para qualquer missão <span></span>Os médicos cubanos passarão por três semanas de treinamento e começam a atender no dia 16 <span></span>Para os que chegaram a Brasília, o mais importante da passagem pelo Brasil é o aprendizado <span>(Bruno Peres/RBA)</span>

Brasília – A Mídia Ninja estava lá, assim como a imprensa tradicional. Médicos e dentistas contrários ao programa ‘Mais Médicos’, do governo, também marcaram presença. Médicos brasileiros formados em Cuba aguardando a realização do Revalida (exame que autoriza a validação do diploma deles no país) foram levar sua solidariedade. Mais um sem número de manifestantes da União Nacional de Estudantes (UNE), União socialista, Conselho da Juventude do Distrito Federal, servidores da saúde do Ministério da Justiça e uma comitiva do PT compareceu ao local com faixas e cartazes de boas vindas. Todo esse grupo passou, do final da tarde até as 20h40, reunido em frente ao portão de desembarque do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, para receber os 176 médicos cubanos na capital do país.

Quando os cubanos apareceram, nem parecia uma missão internacional de saúde entrando no país e sim, a chegada de celebridades. De início, a médica Yasiel Perez, escolhida pelos colegas para ser a primeira a desembarcar – por ser a mais jovem e pela aparente desinibição – surgiu no saguão acenando e mostrando bandeiras do Brasil e de Cuba. Perez recebeu flores e uma chuva de serpentinas douradas em nome de todos os profissionais. Em seguida, cinco dos médicos que integram o grupo foram até um local específico do saguão para conceder entrevistas e falar com a população. O programado era que, depois disso, todos saíssem direto para os ônibus reservados pelo Exército. Não foi o que aconteceu.

Portando flâmulas com bandeirinhas dos dois países e cumprimentando a população, os cubanos não resistiram aos apelos das pessoas que estavam no aeroporto. Resultado: pararam para tirar fotos, apertar mãos, conversar com quem os chamasse e até dar abraços. Emocionados, muitos choraram. E o movimento no aeroporto, que começou a tomar corpo a partir das 19h, aos poucos ganhou a adesão de cidadãos que foram ao local por outros motivos e resolveram se reunir às proximidades, para protestar ou dar boas vindas aos cubanos. Espalhado pelas diversas alas com objetivos diferentes, o número parecia pequeno, mas segundo estimativas de policiais presentes, reuniu mais de 300 pessoas.

O clima, em sua maior parte de tranquilidade, só ameaçou ficar pesado com a chegada de professores que, empunhando faixas e cartazes, começaram a reclamar das palavras de boas vindas e a chamar o programa de “palhaçada”. Os gritos que motivaram as queixas foram de “Cubano amigo, Brasil está Contigo” e até uma versão ensaiada do velho “Olê Olá, Lula” para “Olé, Olá, Cuba”, levantada pelo PT.

Respeito

Durante a entrevista, a importância da parceria foi externada à exaustão, mas com um claro recado por parte dos cubanos: “Viemos para trabalhar e nos esforçar. Vamos tratar a todos com muito respeito, mas também queremos respeito”, afirmou a médica Yasiel Perez. Outro médico, Oscar Martinez, chegou a enfatizar que os profissionais esperam conquistar a população com o trabalho a ser realizado, numa resposta sobre o que eles achavam dos protestos contra sua presença no país. “Ainda estamos chegando no Brasil, mas digo-lhes uma coisa: todas as questões que surgem, no início estão sujeitas a críticas e compreendemos isso. Vamos ficar aqui e aguardar o resultado do nosso trabalho. As últimas palavras sobre nós e nosso trabalho, ditas daqui a um tempo, é que valerão de verdade”, acentuou.

Martinez também falou, em nome dos colegas, que a maioria deles possui mais de 20 anos de trabalho, especialidade em áreas diversas da medicina e experiência em países da África e América Central e estão empolgados com a possibilidade de trabalhar em regiões mais afastadas do Brasil. “Temos muitas expectativas, todas boas. Hoje é um dia muito importante para nós, porque vamos encontrar nossos colegas brasileiros e todas as pessoas que queiram ajudar”, ressaltou, recebendo aplausos dos manifestantes.

Dentre os entrevistados, a maioria mostrou curiosidade em trabalhar nos estados de Amazonas e Fortaleza. Explica-se: boa parte deles contou que já participou de missões na Região Norte, mais precisamente em Rondônia, Roraima e Amapá. Por isso, gostaria de ter uma experiência nas populações ribeirinhas do Amazonas e do Pará. Em relação ao Nordeste, da mesma forma, muitos destacaram que estiveram na região, no interior de estados como Piauí e Sergipe e, se pudessem escolher, prefeririam conhecer, desta vez, a população do sertão cearense. “Mas não estamos aqui para fazer escolhas. O que queremos é trocar experiências e ajudar a saúde das populações mais pobres deste país”, explicou a médica Célia Sanchez.

Remuneração

Outra questão amplamente repercutida, nos últimos dias, a remuneração que eles vão receber, tratou de ser esclarecida pelo médico Rodolfo Garcia em nome dos demais colegas. “Estes médicos que estão aqui estão habituados a trabalhos de cooperação com outros países. A remuneração não é o que está pesando para nós no trabalho. Temos estabilidade de emprego e salário certo em Cuba, que ficará guardado enquanto estivermos aqui. E receberemos o suficiente para custear nossas despesas no Brasil. O dinheiro que vai para lá contribuirá para ajudar a saúde da população cubana e a reforma de hospitais, que lá são todos públicos, com vocês sabem”, colocou.

“Eles são médicos internacionalistas, altamente capacitados. Estamos aqui para prestar-lhes solidariedade e manifestar apoio à política de atenção à saúde do povo brasileiro. Estudei de 2003 a 2009 em Cuba e posso dizer que, do ponto de vista da investigação científica e da produção biotecnológica em saúde, aquele país está bem mais avançado e desenvolvido que o Brasil. Tanto é que governo brasileiro, em 2001, iniciou uma série de convênios e parcerias com o ministério da Saúde Cubano e o centro de biologia molecular e biotecnologia de Havana, que resultou na primeira plataforma de ensaios clínicos da América latina”, afirmou o coordenador da Associação Médica Nacional, Rodrigo Caçador, formado em Cuba.

‘Ética’

Dentre os que discordavam da chegada dos cubanos, o grupo mais forte era comandado pelo professor Danilo Amaral. “Até aceitamos uma política emergência para melhorar a saúde no país, mas é preciso que seja uma política ética e não uma política assistencial que se transforme em programa perene, como acontece hoje com o Bolsa Família. Nesse governo tudo cheira a coisa permanente e assistencialista, quando o ideal seria que se criasse condições para os estudantes poderem fazer um bom ensino médio e chegar à universidade”, reclamou Amaral.

“Sou professor e tenho alunos pobres que vivem deprimidos porque há anos não conseguem ser aprovados num curso de medicina. Se o governo investisse mais em educação e propiciasse mais condições para estes alunos, desde a base, pegando-os nos municípios do interior a partir das suas vocações, os levando para morar em casas de estudante nas capitais e permitindo-lhes acesso a faculdades de medicina com a condição de que, ao se formarem, precisariam passar um tempo em suas cidades, aí sim eu diria que esse programa seria válido. Posso dizer com absoluta segurança que temos mais de 2 milhões de jovens no Brasil querendo fazer medicina”, opinou, ainda, o manifestante, seguido pela professora Célia Batista.“O trabalho deles será precarizado, a política trabalhista na qual estão inseridos não é a do país. Não podemos concordar com isso”, protestou ela.

“Sou dentista, nasci no Amapá e na minha região, sei de vários médicos que gostariam de trabalhar lá, mas tiveram de migrar para outras cidades. Sou contra a vinda dos cubamos, mas torço para que, realmente, o programa ‘Mais Médicos’ dê certo no país, permitindo tanto o trabalho dos estrangeiros como dando condições para que os profissionais de saúde dos municípios do interior consigam exercer um bom trabalho”, disse outra presente ao aeroporto, Alexandra Vieira. Vieira contou que estava lá por acaso, mas não resistiu e resolveu se juntar ao grupo, até porque encontrou colegas conhecidos, de sala de aula.

A odontóloga, que está em Brasília há três anos e conclui mestrado na Universidade de Brasília (UnB), chamou a atenção para o fato de que, segundo ela, “de nada será importante a chegada dos cubanos se não for feito um investimento na base da saúde.  Falar que só o médico resolve não funciona. O médico já consiste numa grande ajuda para a população carente, mas é importante propiciar com urgência melhor infraestrutura para a saúde pública”.

Os profissionais recém-chegados passarão as próximas duas semanas participando de treinamentos e orientações em eventos fechados, organizados pelo Ministério da Saúde na sede da Fundação Osvaldo Cruz, em Brasília (localizada no Campus da UnB) e serão designados para os vários estados brasileiros. Eles estão hospedados em dois alojamentos do Exército, localizados no Setor Militar Urbano, no Plano Piloto de Brasília.

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