interior de São Paulo

Prefeitura de Leme quer gastar R$ 2 milhões com o ineficaz ‘kit covid’, e Ministério Público apoia

Edital relaciona medicamentos como Ivermectina e Hidroxicloroquina. Além de não trazer benefícios no tratamento, ‘kit covid’ pode prejudicar pacientes

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Ação popular foi protocolada na Justiça paulista tentando impedir o processo licitatório da prefeitura de Leme

São Paulo – Ignorando pesquisas que apontam a ineficácia de tratamentos precoces ou de prevenção à covid-19, a prefeitura de Leme, no interior de São Paulo, realiza amanhã (28) um pregão eletrônico para compra de R$ 2 milhões em medicamentos do chamado ‘kit covid’, incluindo Ivermectina e Hidroxicloroquina. Ambos os medicamentos já tiveram sua ineficácia comprovada na prevenção ou tratamento da covid-19. A Hidroxicloroquina foi associada ainda a um maior risco de mortalidade de pacientes. Uma ação popular foi protocolada na Justiça paulista tentando impedir o processo licitatório.

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Planilha do edital de pregão eletrônico para a compra de ‘kit covid’ pela prefeitura de Leme

“Todas as sociedades de infectologia, as sociedades médicas internacionais, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a Organização Mundial da Saúde (OMS), nenhuma dessas organizações e associações científicas indicam esses medicamentos para tratamento precoce”, explicou o infectologista do Hospital Universitário da USP Gerson Salvador. “E não é que não tem comprovação. Já foi estudado. Tem muitos estudos que comprovam, tanto que esses medicamentos são ineficazes, quanto que eles podem acrescentar riscos às pessoas por serem tomadas de maneira desordenada”, complementou.

Aumento de mortes

Estudo publicado na revista científica Nature, no mês passado, comprovou que o tratamento com o medicamento Hidroxicloroquina aumenta as mortes de pacientes com covid-19 e que a Cloroquina não traz qualquer benefício aos pacientes da doença. O estudo publicado é uma metanálise, que revisou dados de 30 estudos criteriosos feitos com ambos os medicamentos. No total, 10.319 pacientes participaram desses estudos.

“Descobrimos que o tratamento com Hidroxicloroquina está associado com o aumento das mortes de pacientes com covid-19 e não há benefícios na cloroquina”, afirmam os pesquisadores. No caso da Ivermectina as pesquisas não encontraram qualquer benefício no uso para prevenir a covid-19 e a OMS não recomenda o uso desse medicamento.

Apesar disso, o promotor Guilherme Gottardello, do Ministério Público paulista, emitiu parecer contrapondo os argumentos sobre a ineficácia do ‘kit covid’, utilizando orientações de maio do ano passado e que já foram superadas e até de um site já conhecido por difundir mentiras sobre o uso da Ivermectina para prevenção da covid-19.

“É notório que há estudos apontando benefícios com o uso de tais medicamentos nos chamados tratamentos preventivo e precoce. Talvez a maioria da comunidade científica mundial desaconselhe o uso de Ivermectina e Hidroxicloroquina no combate ao coronavírus, mas isso não significa que a minoria esteja errada”, argumenta Gottardelo. A ação ainda aguarda julgamento.

Ação popular

A ação popular, proposta pelos deputados federais Paulo Teixeira (PT) e Sâmia Bonfim (Psol), ambos de São Paulo, e dois moradores de Leme, aponta justamente para a ineficácia dos medicamentos e pede que a verba seja aplicada em insumos realmente eficientes para o tratamento de pacientes da covid-19. “Deve o edital em questão ter tais lotes suspensos em salvaguarda ao patrimônio público e mesmo em defesa da saúde da população, bem como devem os requeridos ser instados a readequarem a política de saúde de enfrentamento da covid-19 com amparo em critérios técnicos e científicos”, defendem..

Salvador também avalia que a verba proposta para compra do ‘kit covid’ seria muito melhor aplicada na aquisição de medicamentos para intubação, oferta de oxigênio, testes, ações de informação para prevenção, entre outros.

“Do ponto de vista médico não tem a menor justificativa e do ponto de vista administrativo, esses gestores têm que prestar conta para as suas populações, porque que estão gastando tanto dinheiro em ações inefetivas, quando tem tanta demanda em relação a insumos ou mesmo para garantir renda às famílias que estão sofrendo com insuficiência de recursos por conta da pandemia”, afirmou.

A prefeitura de Leme não se manifestou.


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