editorial

O desajuste passou do ponto e já ameaça conquistas

Terra do livre mercado e da desregulamentação, até os EUA incluem entre seus objetivos, além do controle da inflação, combinar a política monetária com a vigilância ao nível de emprego. Nosso BC exagerou

CONSTRUCTION DIGITAL

Trabalhadores protestam nos EUA, onde o BC observa o desemprego antes de elevar juros

Em julho, a presidenta do Federal Reserve (FED, o Banco Central dos Estados Unidos), Janet Yellen, declarou que havia, sim, possibilidade de uma elevação dos juros, hoje perto de zero, desde que o mercado de trabalho continuasse melhorando – a taxa de desemprego de junho foi a menor em sete anos. Mas o FED indicava cautela, já que a recuperação da economia norte-americana ainda era lenta. No Brasil, também em julho, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC aumentou a taxa básica de juros pela sétima vez seguida, desta vez para 14,25%. É o maior nível em nove anos. Não se vê nas atas do Copom qualquer menção ao mercado de trabalho, a não ser uma preocupação com reajustes salariais.

Terra do livre mercado e da desregulamentação, os Estados Unidos incluem entre seus objetivos, além do controle da inflação, conseguir taxas de juros de longo prazo moderadas e fortalecimento do emprego. A política monetária brasileira restringe-se ao combate, no momento pouco eficaz, da inflação. Os juros, que sobem constantemente a pretexto de inibir a alta de preços, asfixiam a atividade produtiva. A consequência é óbvia: menos vagas.

Os juros não são o único motivo de o desemprego no Brasil voltar a assombrar os trabalhadores, depois de uma década de crescimento contínuo do mercado de trabalho, inclusive com carteira assinada, e de recuperação gradual dos salários. O ritmo arrefeceu em 2014, mas os resultados continuaram positivos, até a estagnação atual.

No BC, a única preocupação, ou obsessão, é com o “centro da meta” da inflação. Enquanto isso, o país para em uma crise que se torna mais grave com o ambiente político, com muita gente mais preocupada com o fogo na lona do que com alternativas para recuperar a economia. Há mesmo quem veja com alguma satisfação o aumento das taxas de desemprego, porque isso pode “ajudar” a diminuir a inflação. Melhor seria ouvir os liberais do BC norte-americano.

Passou da hora de o governo rever suas políticas. Assim como a inflação não pode ser o único item da pauta do BC, o ajuste fiscal tem de vir acompanhado de medidas de proteção social e estímulo ao crescimento. Por ora, o aperto foi tão grande que o próprio governo perdeu arrecadação. O consumo caiu. E o mercado de trabalho vive maus momentos, causando aflição ao trabalhador e tensão no movimento sindical, que em sua maioria apoiou Dilma em 2014.