MUNDO DIGITAL

Escolher profissão exige atenção para os impactos da tecnologia

Inteligência artificial e robótica ocupam funções que antes eram exercidas por seres humanos. Compreender a evolução da tecnologia pode ajudar a prever o futuro das ocupações e evitar escolhas que caiam no vazio

Pixabay
Pixabay
As transformações por meio das tecnologias são inevitáveis, mas o desafio de sociedade é equalizar a adoção de novas soluções com a manutenção e até mesmo geração de empregos

São Paulo – A escolha de uma profissão atualmente exige atenção para as dinâmicas de transformação e impactos da tecnologia, que cada vez mais muda as formas de atuação dos trabalhadores. De nada adianta ingressar em uma área que daqui a dez anos ou outro período pode estar em decadência. A questão central em relação às profissões é que a automação industrial, por meio da robótica, e a Inteligência Artificial (IA), que se insere nos algoritmos, vão ocupar espaços ou funções que hoje são exercidas por seres humanos.

Corretores de imóveis, assistentes jurídicos e advogados, operadores de telemarketing, árbitros e juízes desportivos, contadores, entre outros, são ocupações que já dão sinais de que podem sucumbir, ao menos parcialmente, frente aos avanços da IA. Esse efeito pode ocorrer porque os sistemas de inteligência aprendem como analisar dados, com mais eficiência até do que seres humanos. E essas análises ocorrem com um volume de dados e uma velocidade de processamento que superam de longe a ação humana.

Na outra mão, profissões como médicos, analistas de negócios, engenheiros de mecatrônica, psicólogos, sociólogos, gerentes de vendas, entre outras, prometem adquirir novo fôlego nos próximos anos, já que atuações ligadas ao desenvolvimento de inteligência serão cada vez mais importantes para acompanhar a permanente revolução da tecnologia.

A automação e robótica melhoram a produção, são como um ajuste fino nos processos de manufatura com ganhos de competitividade, mas também deveriam propiciar o aumento de emprego de qualidade

“A máquina aprende até os regionalismos. E graças aos algoritmos, a máquina é sensível às questões de semântica para análise de opinião e de sentimentos. Hoje usam recursos de deep learning e machine learning para fazer isso.  A tecnologia tenta se apropriar das instâncias humanas, pois não somos seres 100% lógicos; temos tonalidades, contradições, e um dos recursos é o processamento de linguagem natural que tem como desafio a compreensão de ironia e sarcasmo, pois se é difícil para nós seres humanos compreender isso, imagina uma máquina”, afirma a pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) Carla Oliveira, que no último dia 1º defendeu dissertação de mestrado sobre o uso da IA e dos algoritmos em processos eleitorais.

O desafio que se coloca para a civilização ocidental, especialmente para o Brasil que nos últimos anos tem sido exemplar, digamos, em produzir e manter uma enorme massa de desempregados, um contingente de 13 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que avançam o emprego precário e a informalidade, é equalizar a adoção de tecnologias com a manutenção e até mesmo geração de empregos.

“Esse é um paradigma difícil de quebrar”, afirma o executivo Edouard Mekhalian, diretor da Kuka, empresa alemã de robótica e automação industrial, que atua no Brasil com sede em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Identificado com a defesa dos empregos, e crítico da visão de que automação deve proporcionar apenas mais lucros, Mekhalian afirma que “a automação e robótica melhoram a produção, são como um ajuste fino nos processos de manufatura com ganhos de competitividade, mas também deveriam propiciar o aumento de emprego de qualidade e com mais expertise, pois os ganhos obtidos devidamente repassados aos produtos acabados permitem a ampliação do acesso a esses produtos por parte do público”, afirma.

O executivo considera que com o aumento de vendas e da demanda a área fabril pode crescer com mais investimentos, ampliando a produtividade e competitividade da empresa. “Dessa forma os empregos de maior valor agregado apareceriam em lugar daqueles perdidos no chão de fábrica”, diz, e vaticina: “o ganho de riqueza com a robótica precisa ser distribuído”.

Pixabay

Robótica antropomórfica: tecnologia é fundamental para a sobrevivência da indústria, mas o Brasil está atrás em uma corrida liderada pelos sul coreanos

“Não é uma questão pura e simples de lucro, mas que estes resultados revertam de uma forma inteligente e civilizatória a todos envolvidos no mercado. Até valores históricos e culturais devem ser reavaliados. O berço da indústria sempre foi e sempre será o chão de fábrica, é lá que sempre matéria prima, insumos, peças, partes, serviços e energia se transformam em produtos que enchem os olhos dos consumidores. Mas ela não pode se tornar um inimigo do homem, pois são justamente eles que irão consumir estes bens manufaturados”, afirma ainda.

E as profissões no mercado de robótica? “Com a reindustrialização dos Estados Unidos, o mercado de robôs está crescendo”, diz Mekhalian. Mas ele também lembra que esse mercado no Brasil ainda é pequeno, conta com cerca de 1.500 unidades instaladas por ano, o que é irrisório frente aos países líderes em automação.

No ranking mundial de robótica antropomórfica, ou seja, de equipamentos que reproduzem a ação humana nas linhas de produção, a Coreia do Sul desponta em 2017 com 710 unidades para cada 10 mil trabalhadores da indústria, seguida de perto por Singapura, com 658, e de longe pela Alemanha, a terceira colocada, que tem 322 robôs nessa mesma base de comparação, segundo números da Federação Internacional de Robótica. Por isso, não é à toa ou por uma questão de sorte que os produtos fabricados na Coreia vêm conquistando o mundo. Se isso está acontecendo, significa que governo, indústrias e sociedade têm se empenhado no desenvolvimento industrial, adotando as políticas apropriadas para isso.

O Brasil, infelizmente, não aparece nem entre os 20 maiores países do mundo hoje em automação. Considerando ainda os números da Federação, o país só surge no ranking de robôs novos instalados em 2017, com 12 unidades para cada 10 mil trabalhadores, mas isso representou apenas o 39º lugar do ranking, enquanto a própria federação adverte sobre a baixa densidade de robôs nos mercados emergentes, o que impõe aos países sul-americanos, mais uma vez, a difícil perspectiva de se manter nos mercados globais com produtos primários. “E hoje tem muita coisa sul-coreana, porque eles têm muita automação para ganhos de produtividade, competitividade, qualidade e os seus produtos, com preços extremamente atrativos. E os produtos chineses também estão ficando mais competitivos com aumento de qualidade e atratividade, tal qual os coreanos conseguiram há alguns anos. Hoje a China é o maior mercado mundial de robôs industriais. Eles estão adquirindo um terço da produção global de robôs industriais antropomórficos”, afirma Mekhalian.

Números preliminares de 2018 divulgados pela federação parecem tornar ainda mais dramática a competitividade brasileira em automação perante os países desenvolvidos. O total de robôs instalados em 2018 no mundo, 384 mil unidades, é apenas 1% superior ao ano anterior, mas em relação ao período de 10 anos (2009-2018), o total representa crescimento de mais de seis vezes das vendas desses equipamentos no mundo.

A situação de desmonte da indústria no país também foi alvo fala do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ao participar da abertura do 9º Congresso dos Metalúrgicos do ABC, na quinta-feira (18). “A preservação e avanço da indústria são fundamentais para a retomada do crescimento do país”, defendeu. “As transformações com a Inteligência Artificial e a robotização são muito profundas. Esse sistema não se detém diante de nada, só se detém se você começar a regulamentar, a colocar a questão humana acima do determinismo do progresso tecnológico”. Belluzzo entende que para deter o processo em curso de desorganização dos trabalhadores pelo aporte de tecnologia nas empresas é importante a mobilização.

A situação das empresas do país frente à automação não é apenas complicada em termos de investimento, mas também em termos de entendimento das novas tecnologias. “Tem empresa que até já ouviu falar sobre esse tipo de tecnologia, mas não conhece profundamente. É uma ou outra que está se ligando e começando a correr atrás”, afirma a pesquisadora da UFABC.

Carla diz que apesar do panorama atrasado da automação e da tecnologia no país, “você tem carência de mão de obra, está faltando cientista de dados. O profissional dessa área entende muito de estatística, de matemática e de programação. Tem algoritmos que utilizam regressões logísticas e regressões lineares para reconhecimento de padrão e análise preditiva”, afirma.

Ela também cita a atuação da companhias de seguro, como uma área que deve receber bastante aplicação de tecnologia, a ponto de impactar o dia a dia dos corretores. A IA vem sendo usada para traçar o perfil do cliente e otimizar os ganhos da companhia. “Faz uma análise muito mais rápida, com volume de dados gigantesco e é bem mais assertiva”, destaca. Mas ela também alerta que essas análises nas seguradoras muitas vezes não são transparentes, as regras não são claras, e diante disso o consumidor dever fazer o que sempre se recomenda, que é ficar atento.