Sistema carcerário

Governo de São Paulo quer presídios privados para haver controle ‘mais rígido’

Secretário diz que empresas vão lucrar com 'hotelaria, segurança e recuperação', rejeita 'privatização geral' e defende revista de familiares: 'Vergonhoso é esconder drogas e celular na vagina'

Maurício Garcia de Souza/Assembleia

Lourival Gomes espera abrir até 10,5 mil vagas com a compra de sítios para o setor privado

São Paulo – Em reunião da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Assembleia Legislativa de São Paulo, o secretário estadual de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, explicou a ideia do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) de criar presídios por meio de parcerias público-privadas (PPPs). Seriam três unidades, que o secretário chama de “sítios”, com capacidade total para 10.500 presos.

Durante a audiência, realizada hoje (25), ele foi questionado pelos deputados petistas Marco Aurélio Souza e Hamilton Pereira sobre a construção dos megapresídios. “Não pensamos em megapresídios, mas em sítios”, esclareceu o secretário.

De acordo como ele, a ideia é que a iniciativa privada construa três grandes unidades, cada uma com capacidade para 2,4 mil presos em regime fechado, divididos em três alas com 800 vagas, e mais 1,1 mil em semiaberto.

Ele revelou também que amanhã será publicado edital de licitação para a contratação de empresa para efetuar o bloqueio de celulares nas prisões paulistas. Gomes afirmou que foram escolhidas 23 unidades prisionais para receber os bloqueadores. “A primeira será Presidente Venceslau II, a segunda Avaré I, a terceira CRP [Centro de Readaptação Penitenciária] de Presidente Bernardes, e as demais não vamos divulgar por uma questão de segurança.” A ideia, disse, é bloquear celulares de chefes de organizações criminosas e das prisões que abrigam presos de alta periculosidade.

O secretário afirmou que há três motivos para o estado contratar a iniciativa provada ao invés de executar o serviço de bloqueio do sinal de celulares. A falta de técnicos especializados no governo, o desenvolvimento tecnológico, que tornaria obsoleta rapidamente uma tecnologia desenvolvida pela secretaria, e o fato de que a empresa não será remunerada se o serviço não funcionar. “Se bloquear, recebe; se não bloquear, não recebe”, garantiu.

Sobre os presídios que serão feitos por PPPs, ele disse que os locais onde serão instalados não são fáceis de encontrar, mas citou Carapicuíba (a oeste da capital) e Guarulhos (ao nordeste) como possibilidades. “Temos tudo praticamente pronto, e só depende de uma coisa: localização da área, há muita dificuldade de se encontrar áreas num raio de até 100 quilômetros, questões ambientais a serem superadas, e assim que surgir a área ou as áreas, começaremos com o processo licitatório”, explicou. “Não é o início de uma privatização geral, é uma experiência que envolve a região metropolitana de São Paulo, não há a ideia de se expandir isso para o estado todo.”

O deputado Hamilton Pereira diz considerar “um enigma” o interesse que o empresário teria em tal empreendimento. “Sabemos bem que a iniciativa privada não investe nada que não traga retorno lucrativo”, diz o petista. “Eu entendo que ele vá lucrar nos serviços de hotelaria, de segurança e de recuperação”, esclarece Lourival Gomes. De acordo com ele, nesses sítios, “os mecanismos de controle seriam muito mais rígidos do que os do estado”.

Ele explicou ainda que “o estado quer selecionar o preso que vai para a PPP, cobrar do empresário uma recuperação e um acompanhamento do preso com família e família com preso, um modelo diferente, e buscar também prisões com menor custo do que hoje, em que o estado atua”.

O deputado Olímpio Gomes, o Major Olímpio (PDT), apoia a ideia. “No mundo todo isso tem acontecido. Nos Estados Unidos uma empresa com grande rentabilidade na bolsa de Wall Street nos últimos anos, chamada Correcional Service, administra presídios ou reformatórios correspondentes à Fundação Casa”, diz. “Aqui no Brasil é a iniciativa privada que é reticente quanto a esse serviço. Existe uma desconfiança em relação ao Estado cumprir a sua parte nas PPPs, de ter a tutela de presos e o Estado parar de pagar.”

Para Olímpio, diante da falta de 80 mil vagas carcerárias no estado e a superlotação do sistema, a ideia “poderá, sim, ser uma realidade efetiva, para administração dos presídios e de unidades da Fundação Casa”.

Lourival Gomes mostrou números segundo os quais, em 1° de janeiro de 2011, São Paulo tinha 170.829 presos. Em 2012, o número cresceu para 196.354 detentos. Até agosto de 2013, segundo ele, o sistema comportava 208.779 presidiários. “Portanto, o que se vê em São Paulo é uma polícia que prende e combate o crime todos os dias.”

Revista íntima

Em sua exposição na comissão, sem ser perguntado, Lourival Gomes disse que as revistas íntimas nos presídios, consideradas ilegais por entidades defensoras dos direitos humanos e pela Defensoria Pública de São Paulo, vão continuar. “Nosso inimigo é o celular. E olha que as revistas são rigorosas. Não podemos abrir mão da revista, e nem vamos. Senão, vamos ser cobrados.” Segundo ele, as revistas rigorosas são também justificadas pelo fato de que “droga não é detectada em detector de metais”.

No início de agosto, a Defensoria Pública começou a distribuir cartilhas para orientar famílias de pessoas que cumprem pena no sistema carcerário do estado sobre seus direitos nas revistas que antecedem as visitas nas prisões.

De acordo com os defensores, o procedimento degradante por que passam os familiares dos presidiários viola princípios legais, constitucionais e normas internacionais sobre direitos humanos. “Entidades dizem que a revista é vergonhosa. Vergonhoso é mulheres esconderem, no ânus e na vagina, celular e drogas”, disse o secretário de Administração Penitenciária. Segundo ele, a prática é comum.

A presença de Lourival Gomes na comissão se deu em cumprimento ao artigo 52-A da Constituição paulista, que determina o comparecimento do secretário de Estado perante a comissão permanente da Assembleia a que estejam afetas as atribuições de sua pasta, para prestação de contas e informações da gestão.

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