Difusão de temas enfraquece importância das frentes parlamentares no Congresso

Na atual legislatura, Frente pró Direitos Humanos será a 163ª iniciativa do tipo, que tratam de temas como defesa do voto aberto, promoção da capoeira e diálogo China/Tibete

Lançamento da Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto, em setembro de 2011 (Foto: Renato Araújo/ABr)

São Paulo – Ainda no berço, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos está fadada a somar-se a um emaranhado de associações suprapartidárias da Câmara destinadas a debater as mais diferentes questões. Do combate à nicotina até a promoção do café, da defesa da capoeira até o apoio aos aposentados, as frentes que encampam bandeiras individuais ou coletivas se multiplicam em um ritmo que já chega a uma para cada três deputados – faltando mais de um ano e meio para o fim da legislatura. 

Coordenada pelos deputados Nilmário Miranda (PT-MG), Chico Alencar (PSOL-RJ), Luiza Erundina (PSB-SP), Jean Wyllys (PSOL-RJ), a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos é uma resposta à eleição do Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, e ainda não foi protocolada no Congresso Nacional. 

Segundo a assessoria de comunicação de Nilmário Miranda, a assembleia de fundação será realizada na próxima quarta-feira (27), e a frente, com 170 assinaturas até agora, deve ser protocolada na quarta seguinte, depois do feriado da Semana Santa. De acordo com o regulamento da Mesa Diretora, as frentes precisam de um número mínimo de 171 assinaturas (um terço dos 513 deputados) para ser instaladas. No caso das frentes mistas, o quórum exigido é de 198 parlamentares, um terço de ambas as casas do Congresso Nacional. 

Segundo o ato da Mesa da Câmara dos Deputados nº 69, de 10/11/2005, “considera-se Frente Parlamentar a associação suprapartidária de pelo menos um terço de membros do Poder Legislativo Federal, destinada a promover o aprimoramento da legislação federal sobre determinado setor da sociedade”. No Senado não existe norma a respeito, embora seja comum senadores integrarem as frentes mistas. 

Como criar uma frente é relativamente fácil, elas proliferam. Na atual legislatura, foram abertas 163: 120 em 2011, 39 em 2012 e, até o momento, quatro em 2013. Elas não têm caráter deliberativo. Quando protocolada, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos será a quinta dos atuais mandatos parlamentares. 

O cidadão que se detiver a pesquisar a lista de frentes criadas pode se surpreender com os temas de várias delas. Por exemplo, a Frente Parlamentar em Defesa da Conclusão das Obras da BR-101/Sul. Motivador da proposta, o deputado Ronaldo Benedet (PMDB –SC) defende a ideia, afirmando que a frente trouxe resultados concretos para o estado de Santa Catarina. “Conseguimos grandes conquistas. Trouxemos até a presidenta Dilma, que lançou a ponte”, explica, em referência ao projeto de duplicação da rodovia e a construção da ponte já conhecida como Anita Garibaldi, em Laguna (SC), de 2.815 metros e com 100% de verbas federais. 

Benedet, cuja campanha para deputado federal foi baseada na promessa de lutar pela BR 101, diz que as obras de duplicação começaram em 2004, mas não deslanchavam. “Estava bem devagar. Quando começamos a frente, fazendo ações todas as semanas, conseguimos bons resultados”, diz Benedet. “Fizemos muitas, no mínimo 15 reuniões entre vistorias na BR, ações em Brasília, no Ministério dos Transportes. Até no Ministério do Planejamento estivemos, para buscar garantias para a obra”, explica. A ponte Anita Garibaldi deve ficar pronta no fim de 2014.

Voto aberto

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) diz que “o papel de uma frente parlamentar é sempre político, de pressão, de mobilização e de articulação política”. Como não tem um poder deliberativo, explica, pode ajudar a aprovar uma matéria importante para a sociedade, mas que encontra dificuldades para tramitar e ser apreciada. Valente é coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto, que cobra do presidente da Câmara, hoje o deputado Henrique Alves (PMDB-SP), colocar em votação a Proposta de Emenda Constitucional 349, de 2001, que abole o voto secreto em todas as decisões da Câmara dos Deputados e do Senado. “Nossa frente já fez várias manifestações dentro e fora do Congresso, pressão sobre as lideranças e sobre a presidência, para colocar em votação”, afirma. 

Segundo Valente, existe uma grande resistência de partidos que podem ter deputados cassados, e não querem se submeter ao voto aberto. “Veja o que aconteceu com a [deputada] Jaqueline Roriz (PMN-DF), condenada por 11 a 3 no Conselho de Ética, mas depois absolvida por mais de cem votos no plenário, com voto secreto”.  O deputado acredita que a pressão exercida pela frente parlamentar que coordena provoca “um grande movimento de opinião pública, e isso constrange o Congresso, os líderes”. 

Há propostas para todos os gostos. A Frente Parlamentar de Combate às Doenças Raras, presidida pelo deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL), tem como objetivo dar apoio a portadores de doenças raras no âmbito do Legislativo e do Executivo. Um exemplo de enfermidade chamada rara é a esclerose lateral amiotrófica. 

Quintella, que lançou sua frente com o apoio de deputados como o ex-futebolista Romário (PSB-RJ) e o parlamentar de esquerda Jean Wyllys, diz que há vários projetos de interesse de familiares, cuidadores e pacientes tramitando na Câmara, introduzindo benefícios previdenciários e na área da saúde, e que a frente trabalha para acelerar sua tramitação. “Quando uma mãe tem um filho com um problema desse, ela não pode trabalhar, ou tem que pagar uma enfermeira que custa muito caro”, justifica. A frente reivindica também uma rede de atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) ao portador. “O SUS hoje não atende, a não ser por medida judicial. Queremos ainda garantir, dentro do Congresso, os recursos para pesquisa e acesso a medicamentos. O Brasil inteiro gasta menos recurso para pesquisa na área do que o estado norte-americano da Califórnia”, diz.

Quintella cita como conquistas da frente o fato de as doenças raras já serem objeto de debate no Congresso. “Nunca tinham sido faladas. Com a frente, já realizamos três seminários com a presença dos ministérios da Saúde, Previdência, muitas entidades e dezenas de deputados e senadores debatendo”, conta.

Excentricidades

Há também estranhas frentes parlamentares para defender outros povos que não o brasileiro. É o caso da Frente Amigos do Tibete em Defesa do Diálogo China-Tibete, coordenada por Walter Feldman (PSDB-SP), e a Frente Parlamentar em Defesa dos Países Africanos, presidida por Edson Santos (PT-RJ).

Santos cita, entre as atividades de destaque da sua frente, a recepção de uma delegação de Angola ao Brasil, “que aqui esteve para conhecer a legislação brasileira no que se refere a comércio exterior e a possibilidade de participação de empresas estrangeiras nas atividades econômicas brasileiras”. Acrescenta: “Estamos em vias de receber uma delegação parlamentar de Angola, que fará um convite para nós visitarmos esse país.”

Edson Santos afirma não saber quantas vezes a frente que defende os países da África se reuniu. “Como é frente, não tem um funcionamento regular como as comissões permanentes da Câmara.”

Quando lançou a curiosa frente em defesa do diálogo China-Tibete, em junho de 2012, o deputado tucano Walter Feldman a justificou afirmando: “Espero que o Brasil dê uma grande contribuição à paz mundial, à cultura de paz e ao restabelecimento do diálogo entre a China e o Tibete”.

Outras frentes têm uma caráter mais difuso, cuja influência é mais difícil de medir. É o caso da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Bullying e Outras Formas de Violência, do deputado Roberto de Lucena (PV-SP). Entre suas ações, o gabinete do parlamentar cita ter sugerido ao Executivo a realização de palestras, seminários e distribuição de informativos nas escolas da rede pública para conscientização e combate ao bullying, assim como a realização, pelo Ministério da Educação, de campanha nacional. 

Por meio da frente, Lucena tem a proposta, que diz ter feito ao Executivo, de estudo sobre a obrigatoriedade da instalação de portais de raios-x ou detector de metal nas escolas públicas e privadas. “Por intermédio de políticas públicas, precisamos apoiar os sistemas de ensino e estimular todas as escolas do país a inserir, de forma sistêmica e integrada, o debate sobre o tema no cotidiano escolar”, defende. 

Na opinião de Roberto de Lucena, o objetivo de uma frente parlamentar “é conscientizar a sociedade sobre o real significado de um fenômeno ou um problema”, além de “acompanhar e fiscalizar os programas e as políticas públicas governamentais sobre a questão tratada pela frente”.