Combate à pobreza

‘Programas para erradicar a fome devem ser políticas de Estado’, diz Lula

Ex-presidente questiona por que dinheiro destinado a pobres é considerado gasto, e não investimento, e afirma que governos devem ser responsáveis pela erradicação da miséria

Ricardo Stuckert

Lula: “Por que 1 bilhão para rico é investimento e 10 dólares para pobre é gasto?”

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu hoje (1º) que programas contra a fome devem ser estabelecidos como políticas de Estado para que apresentem “resultados duradouros”: “No Brasil, aprendemos que é possível superar a fome e a miséria de milhões graças à política voltada para distribuição de renda, geração de empregos e valorização de salários. As políticas de distribuição de renda devem estar no orçamento e ser tratadas como direito básico do cidadão, não como uma ajuda eventual.”

O discurso foi feito por Lula durante o encontro sobre segurança alimentar que é realizado em Adis Abeba, na Etiópia. O encontro é organizado pela União Africana em parceria com o Instituto Lula e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O tema do evento foi a meta de erradicação da fome na África até 2025, a partir do Programa Compreensivo para o Desenvolvimento Agrícola em África (CAADP), que estabelece estratégias para nortear países do continente sobre a destinação de investimentos para o setor agrícola.

Em sua fala, o ex-presidente enfatizou a necessidade de que esses programas sejam incluídos no orçamento de cada país, apesar das limitações impostas pela economia: “Normalmente ouvimos dos que cuidam da economia que não é possível gastar. É preciso mudar o termo. Investir no povo para acabar com a problema não é gastar, é investir de verdade. Por que 1 bilhão para o rico é investimento e 10 dólares para pobre é gasto? Por que os 10 dólares também não podem ser tratados como investimento? Cada país sabe o quanto pode tirar.”

Lula citou pontos que considera fundamentais para explicar a insegurança alimentar no mundo hoje: a especulação sobre estoques de alimentos, as políticas protecionistas dos países centrais, a disputa “desordenada” por terras, a concentração fundiária e a desestruturação de sociedades agrícolas tradicionais.

Além disso, o ex-presidente disse que a fome é um fenômeno político, citando dados da FAO que dizem que 1 em cada 8 pessoas passam fome no mundo hoje, momento em que a produção de cereais alcança bate recordes e atinge 2,46 bilhões de toneladas.”Somente pela crise econômica de 2008, foram consumidos US$ 9,5 trilhões para salvar o sistema financeiro. E a crise me parece cada dia mais forte. A guerra do Iraque já tomou US$ 1,7 trilhão. Fico imaginando o que poderia ser feito para ajudar no combate à fome se o bom senso prevalecesse na decisão dos governantes do mundo.”

Lula reconheceu a importância do trabalho de organizações da sociedade civil e fundações no combate à miséria no mundo, mas reforçou a ideia de que a responsabilidade por programas como “Bolsa Família” deve ser do Estado: “Muitas vezes, essas contribuições são o único socorro e podem fazer a diferença entre viver e morrer. Mas os programas devem ser política de Estado. As pessoas que estão com fome muitas vezes não estão organizadas em sindicatos, não têm força para fazer passeata ou como sequer dizer que estão com fome. Se o Estado não cuidar dessas pessoas, o dinheiro do orçamento será todo levado pela parte organizada da sociedade.”

Para o ex-presidente, a crise econômica que teve início em 2008 pode se revelar uma “oportunidade extraordinária” para os países em desenvolvimento no Hemisfério Sul. Lula disse que hoje “está bem claro” que a saída para a crise não são as políticas de austeridade que levaram a Europa “à recessão e ao desemprego”, mas sim a retomada dos investimentos que reúnam crescimento econômico e consolidação de novos mercados: “Nossos países e nossos governos têm a obrigação de agarrar essa oportunidade para transformar em nova era de prosperidade. É assim que vejo a renascença africana.”