Incêndio em secretaria sob suspeita faz início de governo de ACM Neto ser quente

Opositores do prefeito de Salvador acusam se tratar de um crime para desaparecer com provas de desvio de verbas, como ocorreu em 2003 no governo carlista no estado

A seletividade das chamas, que atingiram apenas a parte que abrigava contratos sob investigação, aumentaram as dúvidas da oposição (Foto: Mauro Akin Nassor / Fotoarena)

Salvador – No início da noite do último dia 3 de janeiro, o edifício que abriga a Secretaria de Educação da Prefeitura de Salvador sofreu um incêndio de grandes proporções que só foi controlado depois da meia-noite. Na ocasião, quase toda a estrutura do Solar Boa Vista, localizado no bairro do Engenho Velho de Brotas, ficou destruída, embora o prédio permaneça de pé e ninguém tenha sido ferido. Este incidente, que ocorreu cercado por circunstâncias misteriosas, faz o início do governo do novo prefeito da capital baiana ACM Neto (DEM) ser quente como a temperatura das chamas que consumiram o histórico imóvel.

O incêndio como fonte de desconfiança veio após uma série de acusações de opositores históricos do prefeito, intrigados com um fato que, além de ter ocorrido no início da gestão, atinge um órgão cujo titular vinha sendo envolvido em uma polêmica relativa a uso de verbas municipais para fins eleitorais. Para completar o clima de estranheza, o grupo político do ex-senador Antônio Carlos Magalhães havia enfrentado em 2003 outro incêndio misterioso ocorrido também em uma Secretaria da Educação, com massiva destruição de arquivos e mais suspeitas.

Em 2003, a Secretaria Estadual de Educação foi atingida por um grande incêndio, no primeiro ano da gestão do pefelista Paulo Souto. Na época, o órgão também acumulava acusações de desvios de verbas e mau uso dos recursos, mas a então secretária, Anaci Paim, negou ter conhecimento de denúncias e disse que o incêndio foi tecnicamente comprovado como acidental, causado por um curto-circuito. Como em 2012, muitos documentos se perderam, mas segundo o governo houve recuperação de todos eles devido à então recente informatização do arquivo.

Este ano, de acordo com as vozes que atacam a prefeitura, trata-se de um incêndio criminoso que teve como objetivo eliminar provas que pudessem fazer com que o secretário de Educação João Carlos Bacelar, o único herdado do mandato do ex-prefeito João Henrique Carneiro (PP), se comprometesse em uma eventual investigação de denúncias. Bacelar, deputado federal licenciado do cargo, é atualmente acusado de usar a verba da pasta para vitaminar candidaturas de seu partido, o PTN, e também transformar os gabinetes da secretaria em comitês para a eleição de vereadores em 2012.

Bacelar, que também acumula as funções de presidente estadual da legenda, teria utilizado volume tal de verbas na campanha que centenas de trabalhadores contratados junto a ONGs para trabalho na prefeitura estavam há meses sem pagamento. A malversação dos recursos da pasta e da prefeitura de uma maneira geral na época das eleições criou um nível de insatisfação interno que fez com que quatro servidores ligados à contabilidade do município pedissem demissão em sequência, embora nenhum dos quatro jamais tenha revelado seus motivos para deixar o município. O PTN elegeu seis vereadores na atual legislatura, o dobro da passada.

No antigo Solar Boa Vista nasceu o poeta dos escravos, Castro Alves (1847-1871), e, além disto, o local também já tinha sido sede da Prefeitura de Salvador em décadas passadas e também de outros órgãos administrativos. De acordo com a avaliação da secretaria, os danos foram à integridade do prédio e a uma série de documentos, em especial ligados a execuções fiscais da secretaria em períodos recentes. Mas, para as autoridades de Salvador, o grande prejuízo foi mesmo histórico.

O prefeito ACM Neto e o secretário da pasta, João Carlos Bacelar, acompanharam de perto o combate às chamas e montaram imediatamente um escritório de emergência para lidar com as demandas inesperadas que o incêndio traria à prefeitura. No outro dia, anunciaram que a matrícula dos alunos da rede municipal de ensino seria mantida com suas datas inalteradas, uma vez que os dados dos alunos não haviam sido perdidos. Além disto, decidiram pelo remanejamento da equipe para outros órgãos municipais e anunciaram que uma solução para uma nova instalação da secretaria só virá em médio prazo.

Sobre os documentos que haviam sido perdidos no incêndio, ACM neto anunciou que havia grande probabilidade de que todos pudessem ser recuperados. Segundo ele, esforços de conseguir cópias em outros órgãos e recorrer aos backups de sistema no órgão de informática oficial da prefeitura poderiam garantir estas providências. “O nível de comprometimento dos documentos será muitíssimo pequeno, o que é efetivamente uma boa notícia para o funcionamento da secretaria”, detalhou ACM Neto.

Oficialmente, houve comprometimento de uma série de papéis envolvendo a execução fiscal da pasta nos últimos anos. Entretanto, segundo Neto, havia 100% de certeza de que o que havia sido queimado e datasse até junho de 2012 tinha sua recuperação garantida. Nos documentos entre julho e dezembro, havia possibilidade de recuperação de cópias endereçadas a diversos órgãos, como Ministério Público Estadual e Tribunal de Contas dos Municípios.

Apesar da segurança das declarações do prefeito e do secretário, a oposição em Salvador considerou que, em última análise, é impossível para o público saber exatamente quais e quantos documentos foram de fato perdidos no incêndio no Solar Boa Vista. Desta maneira, o incêndio, misterioso por si só, ficaria ainda mais cercado de suspeitas e não demorou até que os primeiros questionadores pudessem se manifestar sobre o assunto. 

O vereador petista Henrique Carballal foi o primeiro. Para ele, o incêndio foi criminoso e precisa haver uma apuração rígida por parte dos técnicos e peritos da polícia. “Não é a primeira vez que, em gestões carlistas, uma secretaria pega fogo depois de denúncias. Foi assim no governo Paulo Souto, quando a Secretaria de Educação do estado incendiou, na época em que o próprio ACM Neto trabalhava lá. Agora, depois de suspeitas de improbidade e malversação de recursos públicos na contratação de ONGs, ela queima?”, disse Carballal.

Outros colegas de Carballal, como Aladilce Souza (PCdoB), seguiram as críticas e afirmaram que as circunstâncias suspeitas do incêndio lançam olhos de desconfiança para a prefeitura e a gestão de João Carlos Bacelar. Todos elencavam a possibilidade de haver uma queima de arquivo na pasta investigada pelo Ministério Público. Já a parlamentar Fabíola Mansur (PSB) considerou o incêndio estranhamente “seletivo” se atingiu apenas os setores de contratos e pagamentos e que, se for necessário, até mesmo uma comissão de vereadores deveria ser instituída para investigar o caso.

Irritados, aliados do prefeito foram em defesa de Bacelar e acusaram os opositores de leviandade diante de um incidente lamentável para a estrutura municipal, já combalida diante da herança de dividas e desgoverno da gestão passada. O vereador Toinho Carolino (PTN), do mesmo partido do secretário, afirmou que Carballal tenta desviar-se de suspeitas de que teria recebido dinheiro para votar a favor do Plano Diretor da Copa do Mundo no final da gestão de João Henrique. Já outros apoiadores de ACM Neto afirmam que petistas tentam desde já “vingar-se” da derrota de Nelson Pelegrino nas eleições para prefeito.

A oposição anunciou que pedirá de fato a criação de uma comissão suprapartidária para acompanhar de perto as apurações em relação ao incêndio. O Ministério Público Federal, por sua vez, também afirmou que se empenhará em cobrar explicações convincentes relativas ao fato. Pressionado, Bacelar se diz tranquilo em meio à tempestade e que as denúncias são infundadas, mas também originadas de ciumeira política da oposição, antes favorável e elogiosa à sua gestão na pasta.

“Antes eu era o melhor secretário dos últimos tempos, o amigo. Mas na hora que o partido decidiu, eu passei a não prestar. Quem pode avaliar o meu desempenho à frente da secretaria são os professores e os pais dos alunos. Esses, sim. Porque esses são testemunhas das transformações que a educação municipal passou nos últimos dois anos”, disse. Bacelar também disse estar tranquilo com a intervenção do MP e, segundo ele, não se sente ameaçado no cargo.

Já o prefeito ACM Neto permanece em silêncio quanto à natureza das suspeitas no incêndio na secretaria. Até o momento, a perícia técnica também não chegou a uma conclusão sobre se o fogo atingiu o prédio após um acidente ou se houve intenção criminosa. Não há previsão para a entrega de um relatório.