‘Guerra Santa’ nas eleições de SP torna explícita briga de igrejas pelo poder

Para mestre em Ciências da Religião, a disputa entre católicos e evangélicos pouco se relaciona a temas de fato religiosos

São Paulo – A liderança do candidato Celso Russomanno (PRB) nas pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de São Paulo definitivamente instaurou um clima de guerra religiosa em torno das eleições. Neste domingo (16), o cardeal arcebispo Dom Odilo Scherer, máxima autoridade da Igreja Católica em São Paulo, divulgou texto voltando a criticar o pastor Marcos Pereira, presidente do Partido Republicano Brasileiro e coordenador da campanha de Russomano, por ele ter feito alusões responsabilizando os católicos pelo “kit gay”, em texto de maio de 2011. 

Mais do que isso, Scherer orientou os padres das 300 paróquias de São Paulo a divulgarem o texto. O artigo do pastor Pereira – que voltou à tona por meio das redes sociais – já havia sido atacado em nota da Arquidiocese de São Paulo na semana passada.

Para Oswaldo Oliveira Santos Junior, professor da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo e mestre em Ciências da Religião, a conjuntura mostra a busca das igrejas pelo poder. “O que estamos vendo é uma luta por espaços de poder. O pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd – Marcos Pereira) representa um projeto de poder, que coincide com o do candidato apoiado por sua igreja. Do mesmo modo, aliás, que a Igreja Católica, detentora de um Estado, o Vaticano, e com sua postura tenta também ocupar um espaço de poder político, que é um poder temporal, não religioso”, analisou.

Ao contrário da Iurd, porém, que tem seu candidato, a Igreja Católica não foca seus interesses em um deles, mas manifesta claramente o que não quer. “Ela tem um não-candidato, o Russomanno”, diz o professor. Ele avalia que a Igreja Católica é muito heterogênea para “fechar” com uma candidatura. “Há grupos fortes ligados a Fernando Haddad (PT), José Serra (PSDB), Gabriel Chalita (PMDB). O voto do católico depende da região da cidade, do grupo, da classe social, de vários fatores. Não acredito que exista um voto católico.”

‘Kit gay’

Quanto ao objeto em torno do qual o novo “bate-boca” entre religiões ganhou corpo, o “kit-gay”, Santos Junior entende que nenhuma das duas vertentes tem razão. “Ambas as igrejas foram contra, assim como se manifestaram na eleição de 2010 na polêmica do aborto”, lembrou. Em 2010, bispos católicos foram acusados de distribuir panfletos acusando a então candidata petista Dilma Rousseff de defender o aborto.

O kit anti-homofobia, que ficou conhecido como “kit gay”, era um material didático que estava sendo elaborado pelo Ministério da Educação no início de 2011. Seu objetivo era promover uma conscientização contra a homofobia nas escolas. Em maio do mesmo ano, diante da mobilização da bancada evangélica no Congresso Nacional e também de setores da Igreja Católica, o governo recuou e abandonou a proposta.

Para o professor, é legítimo que as religiões opinem e levem suas pautas à sociedade, como qualquer outro grupo. “O que não é legítimo é impor sua prática ao conjunto da sociedade criando grupos religiosos como massa de manobra. O debate religioso passa muito longe da luta pela cidadania e outras pautas sociais”, disse.

Na manhã de hoje (17), em campanha na zona leste de São Paulo, Russomanno se manifestou sobre a “guerra” entre a Arquidiocese e a Iurd. “Como bom cristão que sou, penso que o que a gente precisa é amar o próximo. Eu não vou plantar uma guerra santa”, prometeu.