Crise

FHC não acena para diálogo com PT, mas para agenda liberal e ruptura

Para Vitor Marchetti, da Ufabc, artigo de ex-presidente publicado no domingo (6) 'pode fazer lembrar, de fato, outros momentos em que se promoveram rupturas institucionais'

Reprodução/Youtube

‘Não é que FHC chama para o diálogo, ele recoloca uma agenda liberal’, diz Vitor Marchetti

São Paulo – Dois dias depois da operação Aleteia, na sexta-feira (4), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo que conteria nas entrelinhas, segundo algumas interpretações, uma proposta de diálogo com o PT. O artigo, intitulado “Cartas na mesa”, intrigou alguns analistas, ainda, por supostamente conter um reconhecimento implícito de que seu partido, o PSDB, teria, sim, culpa no cartório pela gravidade da crise política.

Para o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, o texto de FHC pode ter sido superestimado. “Acho que o artigo é menos um aceno de diálogo com o PT e mais uma tentativa de construção de uma agenda mínima capaz de reunir de novo uma maioria política, mas não necessariamente com o PT.”

Marchetti destaca, além disso, que, mais do que chamar para o diálogo, o ex-presidente “recoloca uma agenda liberal que ele desde sempre protagonizou”. Em seu artigo, FHC escreve: “Aspiremos, com audácia, que um novo governo, formado dentro das regras constitucionais, leve o Congresso a aprovar algumas medidas básicas que limitem o endividamento federal, compatibilizem o gasto público com o crescimento do PIB e das receitas e melhorem o sistema tributário, em especial em relação ao ICMS”.

Chama a atenção, no artigo do ex-presidente, a menção a “um novo governo”. E também a defesa da “viabilidade, como proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil e por vários parlamentares, de instituir um regime semiparlamentarista, com uma Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial”.

Pergunta-se: de onde surgiria esse “novo governo”?. O que seria um regime semiparlamentarista segundo o tucano?

“Nesse momento de derretimento do cenário político, ele está propondo construir uma agenda mínima para criar um núcleo político capaz de dirigir o país. Mas, para isso, acena inclusive com a ruptura do sistema presidencialista”, avalia Marchetti. “Pode fazer lembrar, de fato, outros momentos em que se promoveram rupturas institucionais visando a superar a crise, como foi o pré-1964.”

Para o analista, resta saber, porém, se FHC seria capaz de liderar a reorganização do sistema político, como parece propor com o artigo (publicado no jornal O Estado de S. Paulo). “Acho muito pouco provável que ele tenha hoje uma liderança capaz de promover esse encontro e reequilibrar o sistema político”, diz Marchetti.

Já a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga vê no texto “uma tentativa de acordão”.

Segundo ela, de certa forma FHC reconhece que todos os partidos, inclusive PT e PSDB, estão envolvidos em problemas de corrupção, e para superar o beco sem saída da crise política, que é estrutural, e combater a corrupção que permeia as eleições, seria necessária uma mudança no sistema eleitoral e a redução do número de partidos, com regras como cláusula de barreira.

“Para mim, ele está dizendo que o desenho da engenharia institucional está equivocado, que é esse desenho o culpado da crise, e, para superar isso, ele sugere a conjugação de duas lideranças fortes no país para compor um semipresidencialismo ou um semiparlamentarismo, com a redução do número de partidos.”

Para a professora da Ufscar, porém, com esta ou outras formas, a tese está longe de ser nova, já que desde sua fundação, em 1988, o PSDB defende o parlamentarismo. No plebiscito de 1993, o partido defendeu a mudança para esse regime. Mas, seja como for, diz Maria do Socorro, a proposta de um semiparlamentarismo embute também outra ideia: uma forma de tirar Dilma do centro de comando do país.