Defesa da República

Bancada do PT quer papel militar claro na Constituição, sem margem para ‘tutela’ política

Bolsonaro citava o artigo 142 da CF para dizer que militares poderiam tutelar poderes e dar um golpe, o que foi a essência do 8 de janeiro

Tomaz Silva/Agência Brasil
Tomaz Silva/Agência Brasil
Bolsonaro e seguidores argumentavam sem parar que golpe era autorizado pela Constituição

São Paulo – A bancada do PT na Câmara dos Deputados trabalha para coletar assinaturas e garantir a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar o artigo 142 do texto constitucional. O dispositivo foi constantemente usado por Bolsonaro e seguidores – até mesmo por leigos sem qualquer noção de leis – para argumentar que as Forças Armadas poderiam exercer um “poder moderador” no país e, em última instância, tutelar os poderes. Era o que queriam o ex-presidente e seu entorno golpista.

Essa possibilidade estava no cerne da tentativa de golpe de 8 de janeiro: provocar o caos para justificar uma GLO, uma operação para garantia da lei e da ordem com base “no 142”, como diziam os bolsonaristas. A PEC é de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) e exclui da Constituição as GLO. Confira o texto da PEC.

O artigo 142 em vigor diz que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. O texto de Zarattini propõe as Forças Armadas “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob o comando supremo do Presidente da República, e destinam-se a assegurar a independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.

Segundo a justificativa do texto, há “nítida extrapolação” na atual previsão do artigo 142 do papel das Forças Armadas como instrumentos da ordem democrática. A constatação, não só de Zarattini, mas de vários atores democratas, é de que a redação da Constituição dá margem a uma interpretação ambígua ou dúbia, e a brecha foi usada pelos golpistas e por Bolsonaro.

Justificativa

O autor do texto, ao justificar a PEC, cita o exemplo de Portugal, país que passou por décadas de ditadura salazarista, que, redemocratizado, como o Brasil, adotou uma nova Constituição. Mas o texto português prevê que “às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República”, e que elas “obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei”.

E, mais, a Carta Magna de Portugal é expressa ao prever que as Forças “estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

“Nada, ali, prevê que possam envolver-se em ações de “garantia da lei e da ordem”, e menos ainda atuarem de forma política”, diz o deputado na Justificativa. Além do fim das operações de GLO, a PEC proíbe que militares da ativa exerçam cargos civis e também exclui a atuação política dos militares.

Proposta de José Múcio

Ao mesmo tempo, como comentou ainda em dezembro de 2022, ao ser nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, entregou ao Palácio do Planalto uma proposta para obrigar militares da ativa a se desvincularem das Forças Armadas, se quiserem participar da vida política.

A informação é do g1. A RBA entrou em contato com a Assessoria de Comunicação Social (Ascom) do Ministério da Defesa, que disse não ter mais detalhes ou o texto em si, mas confirmou a informação de que o texto foi  “protocolado”.

A proposta prevê que entrarão compulsoriamente para a reserva os militares que disputarem eleições. Se não tiverem cumprido o tempo mínimo para ingressar na reserva, deverão se desligar das Forças Armadas, o que também vale, de acordo com o projeto, para militares que ocuparem ministérios.

Segundo o g1, Lula deu aval à proposta após reunião com Múcio. O texto estaria sendo construído em acordo com os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e será posteriormente enviada ao Congresso Nacional, onde um deputado da base do governo deve assinar como autor. Durante a tramitação, as propostas de Zarattini e de Múcio poderiam até ser fundidas, o que dependeria de muita negociação.