Garantia de absolvição

Entenda os motivos para Bolsonaro querer mudar e controlar o STF

Ao querer aumentar o número de ministros com nomes de sua confiança, o presidente busca blindar a si e seus filhos de possível condenação. Estratégia é a mesma usada na Polícia Federal e na PGR para barrar denúncias e investigações

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São Paulo – Depois de sucessivos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a seus ministros, o presidente Jair Bolsonaro (PL) agora fala, em tom de ameaça, na ampliação da Suprema Corte, passando dos atuais 11 ministros para 16. A ideia é, com mais vagas, indicar nomes afinados com o governo e assim facilitar o diálogo, como defendem aliados bolsonaristas. Nesse domingo (9), em entrevista a Thiago Asmar e Paulo Figueiredo Filho, do canal Pilhado, no YouTube, Bolsonaro disse que esta será a saída se reeleito e caso a Corte “não baixe a temperatura”.

“Já temos duas pessoas garantidas lá, que são pessoas que não dão voto com sangue nos olhos. Tem mais duas vagas para o ano que vem, talvez se descarte essa sugestão”, disse, referindo-se a Kassio Nunes Marques e ao “terrivelmente evangélico” André Mendonça, ambos indicados por ele. Bolsonaro também se referia às vagas de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, os dois com 74 anos, com aposentadoria compulsória aos 75.

O projeto de controle do Judiciário, que flerta com o totalitarismo elogiado pelos bolsonaristas, por outro lado reforça a preocupação de um presidente cada vez mais acuado com as evidências de seus crimes e de seus familiares.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Bolsonaro em reunião de 22 de abril de 2020, no Palácio do Planalto, que comprova sua interferência na Polícia Federal (PF) para proteger “sua família toda”.

Intervencionista

Ao todo, Bolsonaro trocou quatro vezes o comando da Polícia Federal. Desde fevereiro passado está no cargo Márcio Nunes de Oliveira, que substitui Paulo Maiurino, empossado em abril de 2021. Antes dele, o diretor-geral era Alexandre Ramagem, amigo dos filhos de Bolsonaro, nomeado em abril de 2020. Na época diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Ramagem foi barrado pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, sob suspeita de desvio de finalidade.

No caso da fala presidencial da reunião de abril, que virou inquérito, a Procuradoria-Geral da República, que tem trabalhado em prol do arquivamento de todos os processos envolvendo Bolsonaro, inclusive no caso da CPI da Covid e da participação em atos antidemocráticos, não fez diferente em relação ao caso. Em setembro, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu ao STF que arquive o inquérito contra Bolsonaro. Para Lindôra, não há “novos elementos” para justificar a continuidade da investigação. Assim, também não haveria como a PGR ofertar a denúncia contra o presidente. 

O relatório da CPI aprovado no final de outubro de 2021, aliás, pediu o indiciamento de Bolsonaro por prevaricação charlatanismo epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Há diversas investigações da Polícia Federal que miram Jair Bolsonaro. Uma delas é sobre uma atuação “direta, voluntária e consciente” do presidente e do deputado Filipe Barros (PSL-PR) pelo crime de vazamento de informações sigilosas de inquérito que investiga suposto ataque de hackers às urnas eletrônicas em 2018. Conforme relatório policial, provas coletadas na investigação, além de depoimentos, apontam para divulgação indevida do inquérito policial, para influenciar as discussões da PEC 135/2019, do voto impresso.

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Investigações dos filhos de Bolsonaro

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro, cometidos ao desviar salários de funcionários, inclusive “fantasmas”, no período em que foi deputado estadual – as famosas “rachadinhas”.

As acusações foram reveladas no final de 2018, a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), apontando movimentações atípicas, operadas por Fabrício Queiroz, assessor do parlamentar na assembleia legislativa e amigo de Jair Bolsonaro. Segundo a denúncia do MP à Justiça do RJ, foram desviados mais de R$ 6 milhões.

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também é investigado por “rachadinhas” na Câmara desde julho de 2019, pelo Ministério Público. A apuração corre em segredo de Justiça.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é investigado em inquérito que apura organização criminosa digital no âmbito das fake news, em andamento no STF. Em novembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) arquivou uma investigação preliminar sobre R$ 150 mil, em dinheiro, usados na compra de imóveis pelo deputado.

Em fevereiro de 2011, época em que ainda não era deputado, Eduardo comprou um apartamento em Copacabana por R$ 160 mil, tendo pago R$ 110 mil em cheque administrativo e o restante em dinheiro. Em dezembro de 2016, já como parlamentar, comprou um apartamento em Botafogo por R$ 1 milhão. No negócio, deu sinal de R$ 81 mil e pagou R$ 100 mil em espécie. O restante seria quitado por meio de financiamento imobiliário.

O caçula Jair Renan é investigado pela Polícia Federal por suposto tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A apuração é sobre o suposto pagamento de propina por empresários interessados em obter benefícios na administração pública. Segundo o inquérito, Renan é associado a outras pessoas “no recebimento de vantagens de empresários com interesses, vínculos e contratos com a Administração Pública Federal e Distrital sem aparente contraprestação justificável dos atos de graciosidade”.

Há suspeitas de que a empresa de eventos de Jair Renan, a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, faça intermediações entre a Gramazini Granitos e a Mármores Thomazini, grupo que atua nos setores de mineração e construção, e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O filho do presidente teria até sido presenteado com carro elétrico.

Medo da prisão

Ao longo deste ano, Bolsonaro passou a expor publicamente o medo trazido pela possibilidade de responder à Justiça pelos atos cometidos no cargo. Em meados de maio, em encontro com empresários do setor alimentício, disse que passa “mais da metade” do seu tempo trabalhando “contra processos”. “Até já falam que eu vou ser preso… Por Deus que está no céu, eu nunca vou ser preso”.

Em outros momentos, chegou a dizer, em mais de uma ocasião, que pode haver “morte” caso tentem prendê-lo, como disseram dois ministros do governo em agosto à jornalista Mônica Bergamo.

No início de setembro, em discurso a pastores evangélicos, em São Paulo, voltou a abordar o tema. “Por vezes me pergunto: ‘Quem sou eu para chegar aonde cheguei?’. Isso não é da boca para fora. O pessoal sabe, quando anda comigo, quantas vezes eu falo: ‘É muito mais fácil estar do outro lado, e não estar sendo ameaçado de cadeia quando deixar o governo’”.

Nesse meio tempo, em 11 de junho, a ex-presidente da Bolívia, Jeanine Áñez, foi condenada a 10 anos de cadeia por planejar o golpe de Estado que derrubou o ex-presidente Evo Morales, em 2019. “Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?”, comentou Bolsonaro na época.

Como está envolvido em centenas de denúncias, principalmente por sua conduta durante a pandemia e pelos ataques ao sistema eleitoral, Bolsonaro não teme à toa. Se não se reeleger, será julgado pela Justiça comum, o que eleva as possibilidades de responsabilização penal.

“No poder para sempre”

Para a cientista social e professora da PUC-SP, Rosemary Segurado, embora não seja nova, a declaração Bolsonaro no sentido de alterar o STF é “extremamente grave”. Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual desta segunda-feira (10), ela destacou o “risco gravíssimo” de uma possível reeleição de Bolsonaro para a independência e autonomia das instituições.

E pior: “Se Bolsonaro for reeleito, ele vai ficar aí para sempre, porque alterando o Judiciário, alterando a sua configuração, alterando a correlação de forças, ele, que já nomeou ‘juízes terrivelmente evangélicos’, vai continuar nomeando pessoas alinhadas à sua posição política que vão fazer aquilo que ele bem quiser. O risco é claro à democracia nesse momento. É isso que está em jogo. E vemos que as declarações vão aumentando o tom e inclusive o tom de ameaça ao STF: ‘Olha, estamos aqui, vocês prestem atenção porque se nós ganharmos, nós vamos ter vocês sob o nosso comando. Isso não é uma declaração de candidato à Presidência. Isso não é uma declaração de alguém que tenha algum nível de apreço pela democracia e pela autonomia das instituições. É um momento extremamente preocupante que estamos vivenciando agora.”

Redação: Cida de Oliveira


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