Como sair da crise

Dilma e a dura tarefa de distinguir território aliado de campo minado

Entre aliados de todas as horas, fieis que podem trair, amigos que não aparecem e rebeldes ‘magoados’, governo tenta identificar quem é quem no jogo do ‘morde-e-assopra’ no Congresso Nacional

Fotos: Agência Câmara

Com Manuela e Guimarães na defesa e Chinaglia discreto, Dilma espera mais de Renan, Alves, Cunha e Vaccarezza

Brasília – Apesar das divergências propagadas nas últimas semanas entre a própria base aliada, de dúvidas e indefinições quanto à votação de matérias de interesse do governo e da falta de consenso até sobre quem será o coordenador do grupo de trabalho encarregado de construir uma saída para a reforma política, o PT e o Palácio do Planalto já estariam conseguindo delinear com quem podem e não podem contar.

Por exemplo, quem são defensores de primeira hora, quem sempre o foi mas tem se omitido no momento em que os projetos do Executivo requerem uma defesa mais contundente, ou quais são os “amigos” capazes de se insurgir a qualquer tempo. A busca de respostas a essas questões tem movimentado os bastidores do ambiente de trabalho dos 513 deputados e 81 senadores nos últimos dias – e dominado as análises feitas por líderes, presidentes e secretários-gerais de partidos.

Uma das fortes percepções é que existe, por parte do grupo mais empenhado na defesa da presidenta, uma baixa capacidade de convencimento sobre os demais colegas de Parlamento. E essa dificuldade de êxito não estaria no “gogó” dos companheiros, mas numa espécie de “espírito vingativo”, fruto de uma relação mal resolvida com a presidenta Dilma Rousseff desde o início do seu governo.

“Hoje o Congresso não tem mais base aliada, mas parlamentares que tomaram ou não bronca da Dilma. Não importa mais o partido. O que há é a ala dos que estão com a presidenta e as dos que estão insatisfeitos porque, ou levaram um fora durante determinada reunião, ou fizeram pedidos a algum ministro e nunca foram atendidos. Esse tipo de ressentimento independe de ideologia ou sigla”, confidenciou um senador.

Para o secretário de um partido contabilizado como da base de apoio do governo, que indicou dois dos 39 ministros do Executivo, muitas vezes a queixa com a presidenta, que leva deputados a apoiarem a insurgência do PMDB, não é pessoal, mas consequência de reclamações de governadores insatisfeitos. “Isso pesa quando o parlamentar chega no seu estado, vai participar das reuniões locais”, acentua a fonte.

Grupo da defesa

São tidos como certos entre os parlamentares que fazem parte do grupo de defesa da presidenta o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), o deputado Fernando Ferro (PT-PE), a líder do PCdoB na Câmara, Manuela D’Ávila (RS), o deputado Henrique Fontana (PT-RS), os senadores Delcídio Amaral (PT-MS), Humberto Costa (PT-PE), Paulo Paim (PT-RS) e Wellington Dias (PI), líder do PT no Senado.

Humberto Costa tem se destacado por fazer constantes apelos no plenário do Senado e participado de reuniões com os colegas para chamar a atenção para o equilíbrio fiscal das contas do governo. Ele e Delcídio foram tidos como grandes bombeiros nos últimos dias, ajudando o líder Wellington Dias a negociar matérias que poderiam prejudicar ainda mais o Executivo se fossem votadas no calor da fúria.

Outro aliado de primeira hora, Paulo Paim teve senso de oportunidade para colocar em votação seu projeto que institui o voto aberto e, dessa forma, além da tramitação de uma matéria antes tida como impossível, terminou levantando a bola do Congresso e do governo em relação ao atendimento de uma das demandas da sociedade.

Na Câmara, tem sido notável a fidelidade de Manuela D’Ávila. Principalmente na defesa do plebiscito e no apoio à ideia levantada pelo líder José Guimarães de recolher assinaturas para a criação de um projeto de decreto legislativo pedindo, ainda este ano, a realização de consulta popular. “Manuela tuitou, deu entrevistas apoiando o governo, participou das reuniões e atuou como muitos petistas não chegaram sequer a ensaiar atuar”, destacou uma liderança.

Independentes

Conforme o mesmo entendimento, destaca-se também o grupo dos que não têm postura automaticamente contrária, mas que assumem com facilidade determinadas opiniões diferentes demais das demandas encaminhadas pelo Planalto ao Congresso. Entre estes estariam o líder do Psol na Câmara, Ivan Valente (SP), o líder do PDT, André Figueiredo (CE), e o deputado Danilo Forte (PMDB-CE), entre outros.

Valente é visto dessa forma por motivos óbvios, uma vez que o Psol sempre manteve determinada independência em relação a temas do governo sobre os quais o partido tem entendimento fechado. Já Danilo Forte nunca contou com muita simpatia por parte da equipe econômica. Com o atraso previsível para a articulação do Executivo e dos próprios integrantes da Comissão de Orçamento para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), da qual ele é o relator, disparou queixas e chegou a declarar que havia interesse, por parte do Executivo, de que a LDO não fosse votada.

“Ele deu depoimentos desastrosos para alguém que recebeu uma relatoria tão importante”, criticou um colega do mesmo partido. Na quarta-feira (3), o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ameaçou colocar a LDO na pauta do plenário para votação rápida ainda esta semana. Alves, porém, foi rebatido pelo líder peemedebista Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que disse que não aceitaria. “Seria o mesmo que deixar de lado todo o trabalho do parlamentar”, acentuou, referindo-se ao relatório elaborado por Danilo Forte, que correria risco de ser fatiado.

Já o líder do PDT afirmou textualmente, na última semana, que o partido não iria mais recolher assinaturas para o projeto de decreto legislativo, contradizendo assim José Guimarães, que tinha declarado contar com o apoio de deputados, além do PT e do PCdoB, do PDT de Figueiredo.

Pouco confiáveis

Há, ainda, os que costumeiramente são tidos como não confiáveis, como os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL) e o próprio líder petista, o deputado Cândido Vaccarezza (SP) – este último por sua ligação com os deputados do PMDB. Os presidentes das duas Casas acendem o sinal amarelo dos aliados do governo pelas embrulhadas em que foram observados nos últimos dias e também pela legenda que carregam – intrinsecamente em guerra com Dilma.

Um nome também lembrado com essa classificação de “duvidoso” é o do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), mas não necessariamente por deslealdade ao governo. Um grupo de petistas o vê investindo muito na candidatura ao governo fluminense e se indispondo com o governador Sérgio Cabral. “Lindbergh pode mudar conforme o caminhar do vento. Seria muito melhor abrir mão da cabeça de chapa e apoiar o vice de Cabral”, comenta um senador, referindo-se ao atual vice-governador Pezão, preferido de Cabral – e que deve contar com apoio de Dilma em 2014.

Categoria especial

Enquadrado numa categoria especial desse grupo objeto de análises dos bastidores, mas também alvo de reclamações, está o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Ex-presidente da Casa e ex-líder do PT no Governo Lula, Chinaglia tem sido criticado por sua atuação, tida como mais omissa do que atuante em relação à crise, pelo menos em relação a intervenções públicas.

A maior queixa se deu pelo fato de ele ter afirmado, logo de pronto, que seria difícil convencer os deputados a aceitarem a ideia de um plebiscito já para este ano, dando a entender que também pensava dessa forma. “Não é assim que o líder do governo deveria ter agido, e sim com declarações mais firmes de que iria lutar para conseguir”, opinou o secretário de um partido aliado.

Chinaglia, no entanto, já chegou a reclamar da situação da base aliada e tem feito tudo para evitar derrotas do Palácio do Planalto nas votações. Chegou a ressaltar que dos “quase 400” deputados da base, só se poderia contar com 150 deles. “É como se fosse uma presidenta eleita pela oposição que tem a maioria contra ela”, comparou.

Na avaliação do líder do governo, antes das mobilizações das ruas, no mês passado, prevalecia entre os partidos a disputa pelo poder e uma espécie de comodismo para deixar as coisas como estavam, o que impedia a tramitação de matérias emblemáticas, como é o caso da reforma política.

O pós-junho, porém, levou ao Legislativo a obrigação de dar respostas mais ágeis à sociedade, segundo observou o próprio Chinaglia, sinalizando um certo otimismo em que, após um período de susto, os partidos – principalmente o PT – ainda possam vir a falar um mesmo idioma.

Falados em distintos dialetos, os conflitos das últimas semanas compõem um novo panorama de comportamento para o Congresso. E também contribuem, se não “no amor, na dor”, para provocar ministros envolvidos na articulação política e o próprio Palácio do Planalto a prestar mais atenção no serviço. “Os tempos são outros”, lembrou um dos deputados da base aliada, observando que ainda há mais um ano e meio de mandato, tempo bastante para aprender a colocar o pé em território seguro e a evitar os desastres de um campo minado.

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