"rebaixamento institucional"

Damous: se os próprios evangélicos admitem que Mendonça mentiu, tudo o que ele disse está sob suspeita

O advogado Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, sugere que a indicação de ministros do STF saia de uma lista tríplice da OAB, CNJ e CNMP. Presidente escolheria um dos três nomes

Marcos Oliveiras/Agência Senado
Marcos Oliveiras/Agência Senado
À sombra do bolsonarismo: "É óbvio que ele não defende o casamento gay. Ele é contra", diz Wadih Damous

São Paulo – Passada a novela da sabatina de André Mendonça, as atenções agora se voltam para o posicionamento do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em matérias importantes na corte. Preocupa setores progressistas do Direito e da sociedade civil o fato de que o “terrivelmente evangélico” indicado por Jair Bolsonaro tenha herdado a relatoria de ações e processos (a maioria do ministro Marco Aurélio Mello) que envolvem ideias caras ao bolsonarismo.

Uma delas questiona o bloqueio das contas de perfis bolsonaristas nas redes sociais. O pastor presbiteriano e agora ministro do STF também vai relatar um recurso do partido Patriota sobre prisão após condenação em segunda instância, já decidida pelo STF em novembro de 2019, quando o tribunal, por 6 a 5, proibiu a possibilidade. Graças à decisão, o ex-presidente Lula foi solto em seguida.

“Entendo que a questão está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo”, afirmou textualmente o novo ministro na sabatina do Senado.

Casamento gay, travestis e transexuais

O que prometeu Mendonça na sabatina não combina com sua história bolsonarista. Por exemplo: “Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil de pessoas do mesmo sexo”. No entanto, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica na Câmara e ardoroso militante da nomeação de Mendonça, disse logo após a aprovação que, na verdade, a resposta do novo ministro foi treinada e ele não defenderá casamento gay no STF.

“O que ele falou é que defende garantias e direitos constitucionais. Na Constituição não consta garantia nenhuma de direitos civis de pessoas do mesmo sexo. O que a Constituição garante é de homem e mulher”, explicou o aliado Cavalcante. Na questão relacionada a gênero, caberá a Mendonça desempatar em breve um julgamento sobre o direito de travestis e transexuais escolherem se cumprirão pena em presídio masculino ou feminino. O julgamento está 5 a 5. Dependendo da decisão, muitas vidas poderão ser salvas ou perdidas…

Para o ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro Wadih Damous, a explicação do deputado Sóstenes Cavalcante equivale a dizer que André Mendonça, na verdade, mentiu no Senado, ao falar sobre casamento civil de pessoas do mesmo sexo. “Sóstenes simplesmente quer dizer que ele mentiu. O parlamentar evangélico, em outras palavras, afirma que ele disse aquilo só para não perder votos”, interpreta Damous.

“Isso mostra o rebaixamento institucional e moral que Bolsonaro impõe ao país. E o Senado acaba chancelando esse nome para o Supremo. É óbvio que Mendonça é contra o casamento gay. Sempre foi um sabujo de Bolsonaro e do bolsonarismo”, acrescenta. “Se os próprios lideres evangélicos reconhecem que ele mentiu na sabatina, tudo o que ele disse fica sob suspeita.”

‘Eliziane não podia ter sido relatora’

Ex-deputado federal, Damous considera incompreensível que a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) tenha sido designada relatora da indicação de Mendonça, pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre (DEM-AP). “Não podia ter sido ela. Ela é evangélica. E a questão evangélica era a questão central acerca dessa indicação.”

Após ter sido aprovado pelo plenário do Senado, Mendonça assim definiu o significado de sua chegada ao STF: “Um passo para um homem, um salto para os evangélicos”, em referência à famosa frase do astronauta Neil Armstrong ao pisar na Lua pela primeira vez em 1969. Essa frase, para Damous, é emblemática. “Vamos torcer para que a atuação dele, na prática, nos desminta. Mas a sinalização é a pior possível.”

André Mendonça é o segundo ministro indicado por Bolsonaro. O primeiro, Kassio Nunes Marques, parece começar a se descolar do bolsonarismo na Segunda Turma do STF, observa o ex-presidente da OAB-RJ. Ele votou, por exemplo, pelo desbloqueio dos bens do ex-presidente Lula, na semana passada. O relator, Edson Fachin, votou contra o pedido de Lula, mas foi vencido por Ricardo Lewandowski, que abriu divergência e foi acompanhado por Gilmar Mendes e o próprio Nunes Marques, que, por isso, foi xingado pelo bolsonarismo nas redes de termos como “esgoto”.

Prerrogativas

Para o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, apesar da resistência a André Mendonça, é forçoso reconhecer que Bolsonaro se valeu de uma prerrogativa constitucional, ao indicar o ministro que lhe parecia mais conveniente e oportuno. “A prerrogativa foi utilizada por outros presidentes.”

Para ele, é possível que Mendonça permaneça aliado a Bolsonaro por um tempo, “numa perspectiva de gratidão”. “Mas a liturgia do cargo acaba colocando nas costas dele um peso enorme. Não acho que vá a todo momento defender posições que Bolsonaro defendia, embora possa até estar alinhado circunstancialmente.”

Sobre o fato, muito criticado, do novo ministro ser alinhado a teses e dogmas evangélicos, a discussão deveria se voltar ao aspecto constitucional, na opinião de Carvalho. Se o critério de indicação e nomeação do ministro se dá por critérios questionáveis, a solução seria mudar a Constituição, opina. A sugestão do advogado seria a instituição, por exemplo, de uma lista tríplice.

Os nomes seriam indicados por OAB, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ao presidente da República caberia escolher um dos três. “É ruim que a atuação de qualquer ministro do STF seja contaminada por suas percepções ideológicas e religiosas. Espero que André Mendonça compreenda a responsabilidade que abraçou”, diz Carvalho.

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