STF

Bolsonaro recuou de depor por escrito pelo risco de derrota, diz jurista

Para a advogada Tânia Oliveira (ABJD), legislação autoriza depoimento por escrito apenas no caso em que autoridades dos Três Poderes participam como testemunha

Anderson Riedel/PR
Anderson Riedel/PR
"Nesse processo, Bolsonaro não é testemunha, mas investigado", disse Tânia Oliveira

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (6) que pretende depor presencialmente no inquérito que apura suposta interferência política na Polícia Federal (PF). Até então, ele vinha reivindicando a possibilidade de realizar o depoimento por escrito. A mudança de posicionamento foi informada pela Advocacia geral da União (AGU). Com isso, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento desse recurso, com o intuito de avaliar se a matéria ainda deve ser apreciada ou não.

Para alguns, ao decidir depor presencialmente, Bolsonaro revelaria destemor em relação à acusação que pesa contra ele. Contudo, para a advogada Tânia Oliveira, integrante da coordenação executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), trata-se de um cálculo jurídico e político diante da possibilidade de derrota iminente.

Em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual nesta quinta (7), Tânia destacou que o dispositivo do Código de Processo Penal elencado pela AGU para reivindicar o depoimento por escrito não se aplica a esse caso. Isso porque tal previsão, garantida a autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, se aplica apenas quando estas são ouvidas na condição de testemunha.

“A própria existência desse dispositivo com relação às testemunhas é duramente criticado pelos doutrinadores. Porque depoimento por escrito não permite o contraditório, dificultando a inquirição continuada de quem está depondo. De toda a forma, não se aplica a investigados, que é a condição de Bolsonaro”, disse a jurista. Tânia também ressalta o voto “contundente” do ex-ministro Celso de Mello, então relator do caso, contra a possibilidade de depoimento por escrito para investigados.

Significado político

Politicamente, Tânia acredita que o recuo se insere na estratégia adotada pelo presidente de evitar enfrentamentos com a Suprema Corte. O marco dessa nova postura foi a carta em que se retrata pelos constantes ataques proferidos contra os ministros da Corte, após as manifestações golpistas de 7 de setembro.

“Depois daquele famoso pedido de desculpas escrito por Temer, ele calou-se. Vem evitando qualquer enfrentamento com o STF. Como o voto do ministro Celso de Mello foi muito contundente, a AGU deve ter anunciado a ele que perderia essa votação. Teria que depor presencialmente, de qualquer forma”, disse a advogada.

Impeachment

Nesta sexta (8), a ABJD inaugura um curso que aborda as ilegalidades cometidas durante o impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016. “A Destituição da primeira presidenta eleita do Brasil: impedimento ou golpe?” será o tema do primeiro encontro, que contará com a participação de Dilma.

Para Tânia, o instrumento do impeachment foi utilizado de forma ilegítima, pois não havia o cometimento de crime de responsabilidade. Diante disso, ela classifica o episódio como um “exercício de maioria” levado a cabo pelo Congresso Nacional. “Eles tinham os votos para tanto, e assim o fizeram. Simples assim.”

Como ocorreu naquele momento, ela afirma que o dispositivo de impeachment também vem sendo usado de maneira ilegítima, agora por omissão, no caso de Bolsonaro. São mais de 130 pedidos de afastamento protocolados que aguardam deliberação do presidente da Câmara, Arthur Lira. No entanto, ao contrário do que ocorreu com Dilma, o atual presidente cometeu uma série “quase infindável” de crimes de responsabilidade. “E esses pedidos não são nem sequer analisados”, lamentou.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira


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