Inquietação

Para ex-ministro Berzoini, Lula não é candidato do PT, mas a única alternativa contra ‘retrocesso brutal’

Ele acredita que o atual processo vai determinar se o Brasil será ou não uma democracia nos próximos anos. Pesquisador questiona tamanho da direita menos ideológica

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Sistema eleitoral é constantemente objeto de crítica do atual presidente da República

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é apenas candidato do PT, mas a única alternativa viável “para abortar um período de retrocesso brutal da política brasileira”, avalia o ex-ministro Ricardo Berzoini. “O processo que nós vivemos poderá determinar se nos próximos anos o Brasil será uma democracia ou não”, afirmou Berzoini, em webinar realizado ontem (11) à noite, com mediação do advogado Ericson Crivelli. Também participou o cientista político, professor e pesquisador Fabiano Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj). 

Ex-presidente do PT e ministro do Trabalho, Comunicações e Previdência Social (governos Lula e Dilma), Berzoini avalia que o grande desafio, para a esquerda, “é vencer as eleições, impedir um golpe, uma manobra de última hora, e simultaneamente transmitir à comunidade internacional todas as informações para ter o reconhecimento do resultado e, principalmente, o não reconhecimento em caso de uma manobra ilegal de Jair Bolsonaro”.

Descrédito do sistema

O atual presidente, lembra, joga permanentemente pelo descrédito do sistema eleitoral. Isso pode aumentar, inclusive, em caso de diferença pequena na apuração. Com isso, Lula se apresenta como o único nome capaz de restituir a normalidade democrática. Não necessariamente apresentando um programa de esquerda, mas para afirmar esses valores. Por isso, passou a atrair muitas pessoas que o criticavam, mas que reconhecem nele o único que pode derrotar Bolsonaro – “que o tempo todo flerta, namora, com a ruptura institucional”.

Ao mesmo tempo, diz Berzoini, o atual presidente usa o “esticar de corda” para pautar a mídia tradicional, que aceita passivamente a estratégia. Assim, Bolsonaro faz ameaças ao sistema democrático, seguidas de “recuos”. Como agora, por exemplo, com a notícia de que um eventual próximo governo bolsonarista poderia aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como aconteceu no período da ditadura.

Tentativa de tumulto

“O que está se configurando é uma manobra ilegal. O conjunto de fake news é muito elevado. Por dia, recebo 30, 40 vídeos, áudios, textos com mentiras grosseiras contra Lula e contra o PT“, relata Berzoini. “Assim como nos Estados Unidos (Donald) Trump tentou subverter o resultado eleitoral e conseguiu  provocar um tumulto com repercussão mundial, no Brasil poderemos ter algo parecido. Se a diferença for pequena para Lula, será questionada, haverá tentativa de tumulto.”

Fabiano Santos e Berzoini: ameaças à democracia e transformações na população e no eleitorado (Foto: Reprodução/Montagem RBA)

Até 2016, lembra ainda o ex-ministro, o país viveu seu mais longo período “de eleições presidenciais razoavelmente democráticas”. A eleição deste ano é a nona seguida desde a vigência da Constituição de 1988. Além disso, foi também “o período mais longo que as Forças Armadas se posicionaram com certo distanciamento da política”. Com quatro vitórias consecutivas da esquerda, “em aliança com o centro e até com a centro-direita”.

Pesquisas eleitorais

Já Bolsonaro iniciou seu governo com discurso de negação da política tradicional, até perceber que não conseguiria governar. “O Brasil creio eu que tenha inaugurado um instrumento chamado emendas de relator, que permite ao presidente da Câmara e ao relator manejar dezenas de bilhões de reais para aplicar naquilo que interesse do ponto de vista político imediato, sem nenhum caráter estratégico-estrutural”, acrescentou, citando o chamado “orçamento secreto”.

Berzoini acredita, inclusive, que os institutos de pesquisa não erraram. Haveria, segundo ele, parte da população orientada a não responder. “E os institutos não conseguem lidar com esse fenômeno do ponto de vista estatístico.”

Para Fabiano Santos, os principais institutos erraram na votação de Bolsonaro – mas não de Lula –, o que permite algumas hipóteses, como a citada por Berzoini. Ele cita a possibilidade de erro amostral. “No Brasil nós já não temos censo faz muito tempo, os institutos estão trabalhando no escuro.” As questões demográficas estão associadas ao voto, e as pesquisas nacionais estão defasadas. Ele cita, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Perfil do eleitorado

Há ainda fatores estruturais e conjunturais no eleitorado brasileiro. Uma diferença regional importante no voto, com o Nordeste se contrapondo ao Centro-Sul, além do que ele chama de “clivagem” religiosa: católicos apoiando Lula e evangélicos contra o petista. Assim como os não brancos tendem a optar majoritariamente pelo ex-presidente. “Desindustrialização, perda de densidade sindical em algumas regiões, o avanço do agrobusiness, ao lado da financeirização da economia, são dados estruturais que tendem a permanecer, e que as lideranças políticas da esquerda precisam trabalhar”, afirma o pesquisador. Como fator conjuntural, ele cita o voto feminino em Lula, o que em parte se explica pelo perfil do atual presidente.

A questão gênero pode definir a eleição, mas Santos lembra que há certa percepção de melhoras na economia, que ajudam a melhorar também a avaliação do governo. No Congresso, a direita aumentou sua bancada, a esquerda cresceu “muito na margem” e o centro diminuiu, tanto na Câmara como no Senado. A questão agora é saber o tamanho do que ele chama de direita “não ideologizada”. Até para calcular as condições de negociar uma agenda mínima – pensando em governo Lula.

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