Emendas sem cortes

Base aliada tenta negociar últimos pontos da PEC do orçamento impositivo

Matéria deve ser votada nesta terça-feira (10). Para governo, impacto será de mais de R$ 9 bilhões sobre as contas públicas, mas parlamentares dizem que iniciativa dará mais liberdade ao Congresso

Brasília – Os trabalhos na Câmara dos Deputados começam de forma especialmente dura para o governo nesta terça-feira (10), com a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 358/13, que institui no país o orçamento impositivo. Considerada uma das matérias da chamada “pauta bomba” do Congresso Nacional, o texto determina que as emendas parlamentares fiquem proibidas de contingenciamento (ou seja, não possam mais deixar de ser empenhadas) pelo Executivo. Segundo argumentação do Palácio do Planalto, essa regra terá impacto nas contas públicas do país em mais de R$ 9 bilhões neste ano –  cerca de R$ 16 milhões por parlamentar.

A inclusão da matéria na pauta tinha previsão de ser votada hoje à noite (9), mas a demora para que a quantidade de deputados suficiente para dar quórum ao plenário levou a sessão a ser adiada para esta terça-feira. A prioridade da PEC foi divulgada pelo presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que prometeu priorizar a apreciação da proposta como uma das suas promessas de campanha para o cargo. Mas a votação, que conta com a resistência da bancada do PT, tem o apoio de vários parlamentares da base aliada – que não veem a hora de ter suas emendas parlamentares blindadas de qualquer tipo de bloqueio durante a liberação das verbas.

O primeiro a reclamar da votação do orçamento impositivo em primeira mão foi o líder do PT na Casa, deputado Sibá Machado (PT-AC). Machado lembrou, à tarde, que embora reconheça que a proposta é favorável aos municípios, o ano é de austeridade fiscal e de cortes orçamentários nos ministérios, motivo pelo qual não vê condições adequadas para que seja votada pelo Congresso.

‘Peça flexível’

“Estamos passando por ajustes, falando em apertar o cinto. Não podemos dizer que o país não está passando por isso. E ao afirmarmos que a emenda é ‘impositiva’, é como se não estivesse acontecendo nada no país. O orçamento é uma peça flexível. Temos certeza das despesas, mas não temos das receitas, e nossas receitas não estão crescendo”, afirmou o líder petista.

O problema é que, já aprovado pelo Senado, o texto sofre pressão para ser votado o quanto antes não apenas pelos deputados (os da oposição e do PMDB, principalmente), mas também pelos senadores. A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que defende a votação imediata da PEC, disse que considera estar claro que o atual modelo orçamentário “abre brechas para gastos excessivos ou má aplicação dos recursos públicos”. E o orçamento impositivo, a seu ver, é uma iniciativa que dará maior autonomia ao Legislativo e ajudará a conter tais desvios.

“Sabemos que é ilusão o país ter um orçamento completamente impositivo, em que todo gasto seja efetivamente como o planejado. Mas o atual modelo orçamentário é uma peça de ficção, na qual a União faz o que bem entende com as decisões do Congresso. É isso que precisa mudar”, destacou Ana Amélia, lembrando que, hoje, o orçamento brasileiro é autorizativo – ou seja, o governo federal pode cumprir ou não a previsão aprovada pelos parlamentares.

Lado corporativista

A PEC também tem um caráter corporativo para o Congresso como um todo. É que, anualmente, cabe ao governo definir quando vai liberar os recursos referentes às emendas parlamentares. E a demora na liberação costuma ser alvo de críticas de parlamentares da oposição e até mesmo da base governista. Ao obrigar o pagamento das emendas, a proposta pretende evitar que o governo condicione a liberação dos valores à votação de matérias de seu interesse.

Na prática, as emendas parlamentares individuais, apresentadas todos os anos ao Orçamento Geral da União (OGU) por deputados e senadores, são recursos previstos no orçamento a que cada deputado e senador tem direito. Os parlamentares direcionam esse dinheiro para obras, como construção de pontes e postos de saúde, em geral, nas suas bases eleitorais. Mas nem sempre isso tem sido garantia de liberação de recursos.

Como forma de negociar o texto para que o impacto seja menor, no ano passado ficou acertado entre líderes e ministros do Executivo uma mudança na matéria, de forma que seja estabelecido um percentual mínimo a ser investido obrigatoriamente em saúde. Assim, será feita uma ampliação progressiva dos recursos aplicados no setor nos cinco anos seguintes ao da promulgação da emenda, alcançando, ao final, 15% da receita corrente líquida da União. Mas enquanto muitos acharam que a negociação representou uma saída para amenizar a polêmica em torno da PEC, deputados e senadores ligados à área de saúde protestaram e enfatizaram que a iniciativa poderá, ao contrário, engessar os recursos para o setor.

‘Liberdade e autonomia’

Para a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), a PEC visa a garantir que a emenda destinada pelo deputado chegue ao seu fim, que é atender aos municípios. “É através dessas emendas que são construídas casas populares, unidades de saúde, asfalto, praças, entre outros benefícios para a população”, enfatizou, defendendo a votação da matéria.

O deputado Edio Lopes (PMDB-RR), por sua vez, é da opinião que, mais do que a construção de obras para os redutos eleitorais de cada parlamentar, a proposta levará a uma independência nas relações entre governo e Congresso Nacional.

“A mudança das regras representa a liberdade, a autonomia do Legislativo. O cidadão comum não sabe o quão ultrajante, o quão humilhante é para um parlamentar ficar horas e horas na antessala de um ministro para tentar liberar uma emenda, que é legítima. Ninguém aqui nessa casa admite mais isso”, disse ele, tocando no cerne da questão para os deputados e senadores.

De acordo com o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), a questão já está decidida, uma vez que foi acordada. O que é possível fazer agora, é apenas negociar alguns pontos do texto. “Embora não concorde com determinados itens, tenho que reconhecer isso. O orçamento impositivo já foi incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias desde o ano passado e não há mais o que discutir. É claro que poderemos conversar sobre algum ponto, mas temos que virar a página e deixar seguir a tramitação mesmo. É ponto decidido”, avaliou.

Destrancamento da pauta

Para que a PEC seja apreciada, o plenário da Câmara precisa votar, antes, o Projeto de Lei 7.735/14, referente à repartição dos benefícios econômicos obtidos com produtos derivados do acesso ao patrimônio genético – chamado de lei da biodiversidade. A matéria conta com urgência constitucional e, por isso, tranca a pauta. Estabelece regras para cadastro e autorização a tal patrimônio genético, assim como a repartição de benefícios econômicos pela exploração de um produto com valor agregado que seja proveniente de determinadas pesquisas e a aplicação de multas a quem descumprir as normas a serem regulamentadas.

matéria atualizada às 19h46