Vazamento

Cota do PSDB no governo, ministro da Justiça tem o cargo sob pressão

Ao evidenciar ação articulada entre governo e Lava Jato para uso partidário da operação, gesto de Moraes deixa PSDB em débito com Temer, caso poupe o ministro da exoneração

Roberto Castro/ME/fotos públicas

Moraes é alvo de três pedidos contra ele feitos por parlamentares entre ontem e hoje por conta do episódio

Brasília – O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, volta hoje (27) a Brasília, e deve enfrentar ambiente desfavorável para sua permanência no cargo, depois de declarações vistas como vazamento da 35ª da Operação Lava Jato. Ao participar de um ato político no interior de São Paulo, Moraes antecipou possíveis ações, que acabaram acontecendo. Ele afirmou que sua fala foi deturpada. Na capital federal, encontrará pedidos diversos para avaliação de sua conduta e até para sua exoneração.

Em meio a esse fogo cruzado o que mais pesa é o aumento das desconfianças de ligação explícita entre os mandados autorizados pela Lava Jato com o interesse do atual governo de concentrar as investigações no PT. O que contradiz as afirmações do presidente Michel Temer de que o Planalto tentará, em sua gestão, se distanciar ao máximo das atividades da Polícia Federal e dessa força-tarefa.

O constrangimento provocado pelas palavras de Alexandre de Moraes, conforme informações de bastidores do Ministério da Justiça e da própria superintendência da Polícia Federal (PF) foi tão grande que respingou, primeiro, na própria PF. Tanto é que os investigadores responsáveis pela entrevista coletiva concedida ontem, para explicar os motivos da prisão do ex-ministro Antonio Palocci, evitaram falar no assunto.

Na entrevista, o delegado Rosalvo Ferreira Franco, superintendente da PF no Paraná, distribuiu uma nota oficial do órgão tentando justificar a seriedade das investigações e pediu aos repórteres que, quem estivesse interessado em fazer perguntas sobre este assunto entrasse em contato direto com a área de comunicação da PF em Brasília, porque eles não poderiam falar sobre a questão.

“Foi um constrangimento geral, inclusive para os investigadores e os delegados”, contou um assessor do Ministério da Justiça, ao falar sobre o estrago.

Para integrantes do PT, Rede e PCdoB, a fala de Moraes deixou clara a seletividade e interesse em politizar as investigações às vésperas das eleições municipais, deixando de lado nomes envolvidos no mesmo caso, mas ligados a legendas como PMDB e PSDB.

“A prisão de Palocci ocorre num momento em que proliferam denúncias contra políticos do PMDB, do PSDB e de outros partidos da base de apoio ao governo Temer. A Lava Jato cala-se e nada faz contra os políticos dessas agremiações e, ainda por cima, surge esse gesto do ministro da Justiça. Tudo prova que se trata de mais uma ação nitidamente eleitoral, ocorrida a uma semana das eleições municipais”, acusou o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA).

Alexandre de Moraes é alvo de três pedidos contra ele feitos por parlamentares entre ontem e hoje, por conta do episódio, e de uma avaliação rigorosa em reservado, por parte de colegas do Executivo. O primeiro pedido é uma representação protocolada por deputados e senadores do PT, Psol, Rede e PCdoB para que seja avaliada sua demissão do cargo ao Conselho de Ética da Presidência da República.

Outra medida foi a interposição de solicitação, por vários políticos, junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), para averiguar sua conduta pela prática de quebra de sigilo e crime de improbidade administrativa.

Deputados do PT também enviaram requerimento à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pedindo sua convocação na Casa para dar explicações. Por fim, dentro do Palácio do Planalto, a opinião manifestada pelo grupo de articulação política do presidente Michel Temer é que ele deve ser demitido nos próximos dias.

Improbidade administrativa

No pedido apresentado à PGR, as legendas que assinam o documento solicitaram que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, investigue o ministro pela prática de violação de sigilo funcional descrita no artigo 325, Código Penal e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92).

A peça jurídica é assinada pelos deputados Afonso Florence e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). E por parte dos senadores, é endossada por Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), Ângela Portela (PT-RR), Fátima Bezerra (PT-RN), Gleisi Hoffman (PT-PR), Jorge Vianna (PT-AC), José Pimentel (PT-CE), Paulo Paim (PT-RS), Paulo Rocha (PT-PA) e Regina Souza (PT-PI), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), João Capiberibe (PSB-AP), e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Os parlamentares argumentam que a investigação de Alexandre Moraes é necessária porque o ministro revelou um fato que deveria permanecer em segredo, uma vez que o artigo 325 do Código Penal afirma que constitui crime “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. E a pena prevista para estes casos vai de “detenção de seis meses a dois anos, ou multa, se não se constituir crime mais grave”.

Já no tocante à acusação de violação à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), os parlamentares citaram no pedido o artigo 11, inciso terceiro, que determina que constitui ato de improbidade administrativa, notadamente, “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo”.

O documento ainda aponta um conjunto de problemas na conduta do ministro. Entre eles, o fato de que Alexandre de Moraes “não deveria ter acesso a informações da investigação” e de que, se por acaso ele soube por uma questão operacional, em razão do cargo que ocupa, tinha a obrigação, como titular da pasta da Justiça, de ter “mantido a informação em sigilo”. Outra acusação é de que Moraes também violou um segundo artigo da Lei de probidade administrativa, quando “agiu por interesse eleitoral”.

Os deputados e senadores deixaram claro, no pedido, que o objetivo da iniciativa junto à PGR é “proteger os direitos dos investigados e evitar embaraços às investigações”. Mas em reservado, nos gabinetes do Planalto e no próprio ministério da Justiça, muita gente considera difícil reverter o desgaste do governo com o episódio.

‘Última fala’

As informações dos assessores mais próximos do presidente são de que Temer teria respondido com uma frase emblemática ao saber, por telefone, da fala do ministro: “Não é possível”, teria dito. O presidente ouviu de Moraes pouco depois, por telefone, os mesmos argumentos de que sua fala foi deturpada. Mas deve ter visto, posteriormente, o vídeo sem deturpação.

Temer também teria dito para a equipe mais próxima que esta é a última fala desastrosa de Alexandre de Moraes que aceitará. Diante da repercussão e do esforço em demonstrar distanciamento entre uma ação coordenada da Lava Jato com os interesses do atual governo, as últimas 24 horas foram de comentários de outros ministros e conselhos diversos ao presidente.

Pesa contra o ministro da Justiça, ainda, o fato de Temer ter pedido a sua equipe que se movimentasse o mínimo possível nas eleições deste ano e no apoio explícito aos seus candidatos – norma que foi expressamente descumprida por ele, tucano de carteirinha.

Espera-se uma definição sobre a situação do ministro em jantar programado para esta noite, quando Temer receberá sua equipe de governo e líderes da base aliada no Palácio da Alvorada pela primeira vez. Ocasião em que Moraes se encontrará não apenas com o presidente, como também com os políticos da base que o criticam e usam contra sua conduta expressões como “sem noção”, “destrambelhado”, “sem estrutura para exercer cargo de tamanho porte” e “sem limites”.