Democracia substantiva

‘Anticandidata’ ao STF, Soraia Mendes diz que ‘representatividade importa’

Em oposição a André Mendonça, jurista quer ser a primeira mulher negra a integrar a Suprema Corte, em nome de uma mudança na forma de conceber o Direito

Reprodução/TVT
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Além de "ilibada reputação" e "notório saber jurídico", Soraia conta o apoio da sociedade civil

São Paulo – Em contraposição à indicação do advogado-geral da União, o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, ao Supremo Tribunal Federal (STF), mais de 130 entidades, organizações e movimentos que integram a campanha Por um STF laico e independente lançaram o nome da jurista Soraia Mendes. Sua postulação como “anticandidata” serve para protestar contra as regras formais para a indicação dos integrantes da Corte. E defende um processo de escolha que garanta compromissos mais “substantivos” com a Constituição e com o Estado democrático.

A anticandidatura é defendida por organizações como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), Coletivo por um Ministério Público Transformador (Coletivo Transforma MP), dentre outros movimentos.

Além disso, Soraia, quer ser a primeira mulher negra a ocupar o mais alto posto da magistratura. Ela é doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora em Ciências Criminais. “Não podemos deixar de considerar que representatividade importa, sim”, disse a jurista, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, na última sexta-feira (20).

Ela disse que não se trata apenas de uma representatividade fenotípica, mas também epistemológica, capaz de mudar até mesmo as próprias concepções do Direito.

“Parece uma contradição, mas o Direito, ao longo da nossa história, constrói-se como lugar refratário a direitos. Assim, essa candidatura traz para o debate uma discussão a respeito de direitos. Não de forma sectária ou ideologizada, mas de forma científica e complexa, que demanda o repensar de práticas e formas de atuação, de estruturas, nas quais não se têm a presença dessas grandes camadas que compõem as chamadas ‘minorias’ (que demograficamente são maiorias)”, detalha Soraia.

Seletividade penal

O encarceramento em massa que incide majoritariamente contra pretos e pobres é a principal consequências do domínio epistemológico. São homens brancos, em sua maioria com idade avançada, que ocupam os principais cargos em todos os demais tribunais, não apenas no STF. Nesse sentido, Soraia defende uma “reformulação geral em termos de política criminal”.

“Precisamos compreender a existência de processos de criminalização primária, que vem do próprio Parlamento com a marca da seletividade. Mas também de processos de criminalização secundária, dos quais o Judiciário é partícipe. Por conta de um cultura jurídica impulsionada por uma cultura maior, de perseguição a grupos específicos, notadamente, pretos e pobres”, destaca a criminologista.

Ela defende uma “concertação” entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca por instrumentos de combate ao encarceramento em massa, e cita como avanço as audiências de custódia. Mas é preciso ir além. “Precisamos todos, no âmbito do sistema de Justiça, estar comprometidos com instrumentos que sejam descarcerizadores, de forma a a não violar direitos e garantias fundamentais.”

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira


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