Revoada de arapongas

Governo Bolsonaro desfalca Abin e desvia agentes para espionar supostos ‘adversários’ e ONGs

Reportagem da Agência Pública denuncia que pelo menos 15 agentes ocupam hoje cargos em ministérios. A interlocutores, Alexandre Ramagem teria confessado interesse em criar assessoria semelhante à da ditadura

Carolina Antunes/PR
Carolina Antunes/PR
Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Modelos inspirados na ditadura contra adversários políticos

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro está usando a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para praticar espionagem sobre entidades e ativistas críticos ao governo. De acordo com reportagem da Agência Pública, divulgada nesta terça-feira (15), agentes da Abin são desviados de sua função e lotados em ministérios para monitorar adversários e movimentos sociais. Organizações não-governamentais (ONGs) opositoras das políticas ambiental, indigenista e de direitos humanos do governo também estão entre os alvos de espionagem.

Ao repórter Vasconcelo Quadros, dois ex-diretores da agência, que pediram para não ser identificados, afirmaram que os escutas também estão monitorando ações voltadas para o avanço da covid-19 e os conflitos entre o governo Bolsonaro com governos estaduais. Segundo eles, o general Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), teria imposto ainda como “foco prioritário” aos agentes, o controle das “fofocas políticas” e tudo que é divulgado sobre o clã Bolsonaro. 

Para garantir a estrutura de espionagem, entre janeiro de 2019 a novembro de 2020, pelo menos 15 servidores da Abin foram lotados em ministérios. A nomeação, no entanto, vem ocorrendo por meio de uma manobra que não permite a identificação dos agentes. A reportagem mostra que, com exceção de um caso, as outras 14 transferências foram confirmadas no Diário Oficial da União (DOU) com apenas a matrícula do servidor. Sem nomes, agentes estão hoje ocupando cargos na Controladoria Geral da União (CGU) e nos ministérios da Economia, Infraestrutura, Cidadania, Saúde e Casa Civil.

Sistema paralelo 

O esquema revela que a denúncia de que a Abin produziu relatórios para ajudar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no caso das “rachadinhas”, não é a única a indicar que o governo está usando da máquina pública “para criar um sistema paralelo de inteligência”. 

Em entrevista à Pública, a diretora de programas da ONG Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, explicou que “não há mais uma tentativa velada ou suspeitas. A espionagem é explícita, como foi colocada na medida provisória que o Congresso alterou. O governo quis nomear alguém para fazer o controle das entidades”.

A organização precisou entrar com uma ação civil pública para suspender a nomeação de um agente da Abin, identificado apenas com a matrícula 910004. Ele havia sido nomeado, em 23 de agosto do ano passado, para o cargo de “Coordenador-Geral de Articulação com Organizações da Sociedade Civil do Departamento de Relações com Organizações Internacionais e Organizações da Sociedade Civil” da Secretaria Especial de Articulação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov). 

Desfalque na Abin 

A secretaria especial da Segov foi criada como forma de reação do governo às mudanças que foram feitas pelo Congresso na Medida Provisória 870 de 2019. Conhecida como “MP do Controle das ONGs”, a norma era, na prática, uma forma de garantir amparo legal para a espionagem das organizações. A Conectas conseguiu suspender a nomeação em junho deste ano, o que obrigou a identificação do agente. Foi então que se descobriu que, por trás da matrícula, estava o oficial de inteligência Rafael Augusto Pinto

Em nota à reportagem da Pública, ele negou que sua atuação “implicou em qualquer interferência do governo federal em relação a tais organizações”. E disse exercer função “estritamente administrativa sem incompatibilidade com seu vínculo com a Abin”. 

Contudo, a matéria adverte para um “desfalque” na estrutura da Abin. Para ingressar na agência é preciso passam por um longo processo de formação até os servidores estarem preparados para as várias etapas de espionagem. 

Cópia da ditadura

Uma autoridade, que também pediu para não ter o nome revelado, afirma que o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, teria manifestado a interlocutores sua intenção em reforçar o número de agentes em todos os órgãos. O intuito, revelou a autoridade à Pública, seria criar “assessorias semelhantes ao que foi a Comissão Geral de Investigação (CGI). Uma megaestrutura de inteligência que alimentava o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), usada para espionar adversários do regime militar”, cita um trecho da reportagem. 

O deputado federal José Guimarães (PT-CE) comenta que “há um avanço claro da espionagem sobre políticos, servidores, ONGs, jornalistas ou qualquer outro segmento que Bolsonaro enxerga como inimigo”. 

O parlamentar é titular da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência (CCAI). Essa é a única instância estatal que tem a prerrogativa de fiscalizar as atividades da Abin. Guimarães adverte que “gasta-se recursos públicos para espionar”. Mas lembra que a comissão “se mantém em silêncio diante das ameaças constantes de um governo que a todo momento desrespeita a Constituição e os direitos da sociedade”. 

Colecionando desvios

A CCAI tem várias pendências ainda não respondidas. A comissão é presidida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e tem como vice-presidente o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também filho do presidente. 

Enquanto isso, a Abin sob Bolsonaro vem colecionando uma série de desvios. Já no ano passado, agentes foram enviados à COP-25 na Espanha para espionar “maus brasileiros”. Além de ser questionada pelo STF por tentar viabilizar aos advogado do filho do presidente o pedido para anular investigação sobre as “rachadinhas”, a agência também já foi pautada na Corte pela produção de um “dossiê antifascista”. O documento era um monitoramento de cidadãos apenas com base no critério de serem alinhados a posições políticas contrárias ao atual governo.

Confira a reportagem da Agência Pública na íntegra, clicando aqui.


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