Interferência indevida

Relatório da PF revela que a Abin atrapalhou investigação contra Jair Renan Bolsonaro

Integrante da Agência Brasileira de Inteligência, flagrado por uma operação da PF, admitiu missão de atuar em caso de filho do presidente

Instagram/Reprodução
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Interferência foi vista como um "escândalo" também entre parlamentares que foram às redes apontar "aparelhamento" das instituições pelo presidente Jair Bolsonaro

São Paulo –Relatório da Polícia Federal mostra que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o serviço secreto brasileiro, atrapalhou o andamento de uma investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). A informação está em reportagem do jornal O Globo, nesta terça-feira (30) e tem como base um relatório enviado pela PF à 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal. 

O documento cita que, sem qualquer justificativa plausível, a Abin interferiu no processo em que o filho do presidente e seu preparador físico Allan Lucena são suspeitos de abrir as portas do governo federal a um empresário interessado em receber recursos públicos. A interferência veio à tona quando um agente da Abin, flagrado por uma operação da PF, admitiu em depoimento que recebeu a missão de levantar informações de um episódio relacionado a Jair Renan, sob apuração de um inquérito da PF. Segundo o espião, o objetivo era prevenir “riscos à imagem” de Bolsonaro. 

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A operação da Abin ocorreu em 16 de março de 2021, quatro dias depois de o filho do presidente e Lucena se tornarem alvo da investigação. Na ocasião, ele percebeu que estava sendo seguido por um veículo que entrou na garagem de seu prédio. Incomodado, o personal trainer acionou a Polícia Militar. Após a abordagem, ele se identificou como Luiz Felipe Barros Felix, agente da PF cedido ao órgão de inteligência. Chamado pela PF para prestar esclarecimentos, Felix relatou que trabalhava na Abin vinculado diretamente a Alexandre Ramagem, então comandante da agência e homem de confiança de Bolsonaro. 

‘Interferência’ sem justificativa

No depoimento, o agente confirmou que recebeu a missão de um auxiliar do chefe da Abin. com intuito de levantar informações sobre paradeiro de um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. O veículo teria sido doado a Jair Renan e seu preparador físico por um empresário do Espírito Santo, interessado em se aproximar do governo federal. Felix declarou que era preciso saber quem estava usado o carro “para saber se informes que pudessem trazem risco à imagem ou à integridade física do presidente eram verdadeiros ou não”, afirmou. 

Segundo relatório da PF, a diligência atrapalhou as investigações em andamento. “Posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria ‘devolvido’ veículo supostamente entregue ao sr. Renan Bolsonaro”, destacou o órgão à Justiça de Brasília no fim do ano passado, solicitando a prorrogação do inquérito. 

O documento também cita que a atuação da Abin foi uma “interferência nas investigações” e pode ter estimulado os investigados a combinarem versões a respeito dos fatos. O filho de Bolsonaro e o preparador físico são suspeitos de intermediar, com a ajuda do Palácio do Planalto, uma reunião entre o empresário e o então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O carro teria sido entregue em troca. Em nota ao jornal, a pasta disse que o gabinete da Presidência solicitara oficialmente o encontro, por meio de um assessor especial de Bolsonaro, amigo de Jair Renan.

O que dizem os envolvidos

Procurada pelo O Globo, a Abin alegou que não há documentos oficiais sobre a operação. Em comunicado, a agência acrescentou que o agente Luiz Felipe Barros Felix não faz parte dos quadros desde 29 de março de 2021. O desligamento de Felix, contudo, conforme mostra a reportagem, ocorreu 13 dias após ele ter sido flagrado em missão. Ele não quis comentar o caso. 

Allan Lucena também não retornou os contatos. Já o advogado Frederick Wassef, que defende a família Bolsonaro, afimrou que a atuação da Abin não teve relação com a Presidência da República e não atrapalhou as investigações. Segundo a defesa, trata-se de um “fato isolado” de um “indivíduo que se encontrava ali por conta própria”. O ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, atualmente candidato a deputado federal, foi procurado por meio de seu advogado, mas não respondeu aos questionamentos do jornal O Globo

A interferência foi vista como um “escândalo” também entre parlamentares que foram às redes apontar “aparelhamento” das instituições pelo presidente Jair Bolsonaro. 

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