Qual é o limite?

Com embaixadores, Bolsonaro cometeu conjunto inédito de crimes de uma só vez

Nos cerca de 50 minutos que durou o encontro com diplomatas, presidente incorreu em crimes de responsabilidade, de improbidade, contra o Estado de Direito e a Lei Eleitoral

Reprodução/TV Brasil
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Ante diplomatas, proferiu discurso ameaçador e causador de grave constrangimento ao Brasil

São Paulo – Na notícia-crime que apresentaram nesta terça-feira (19) ao Supremo Tribunal Federal, deputados de oposição enfatizam que os embaixadores assistiram a uma fala golpista de Jair Bolsonaro. Os diplomatas testemunharam ontem um conjunto talvez inédito de crimes cometidos por um chefe de governo em um mesmo evento. Na petição, os parlamentares mencionam crimes de “traição contra seu povo” perpetrados pelo presidente.

A Lei 14.197/2022 acrescenta dispositivos ao Código Penal brasileiro. Entre as previsões, “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A previsão de pena para este crime é de reclusão de quatro a oito anos.

No capítulo II, a lei também considera passível de punição os “crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral”. “Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral” é tipificado e gera pena de reclusão, de três a seis anos, e multa.

Crime de responsabilidade

Bolsonaro também cometeu crime de responsabilidade, que seria passível de impeachment. São enquadrados dessa maneira os atentados do atual mandatário contra a Constituição Federal no que se refere ao livre exercício do Poder Judiciário. “Com seu discurso absurdamente ameaçador e causador de grave constrangimento ao Brasil perante o mundo”, diz a petição, Bolsonaro atentou contra o livre exercício das atribuições legais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, abalou a segurança interna do país “com o discurso claramente golpista e autoritário, diante de representantes oficiais de Estados”.

O presidente ainda agiu com evidente improbidade administrativa, ao utilizar indevidamente recursos públicos para fins pessoais e eleitoreiros, engrossando também a lista de crimes de responsabilidade que cometeu.

Crime eleitoral

Os deputados citam ainda crime contra a Lei das Eleições, por Bolsonaro fazer propaganda eleitoral antecipada e “desestabilizar a credibilidade de um dos pilares da soberania popular, o sufrágio universal pelo voto livre, secreto e direto”. Um dos crimes elencados na petição – divulgar em propaganda fatos que sabe inverídicos sobre partidos ou candidatos – prevê pena de detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

As manifestações não se restringem à oposição. Integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, consideram “graves” os novos ataques de Bolsonaro. Cabe à PGR decidir se abre ou não uma investigação formal contra o denunciado. Mas o procurador-geral, Augusto Aras, é aliado de Bolsonaro.

“Incitação de arruaças”

Em editorial, a Folha de S.Paulo diz que Bolsonaro “se empenha em destruir as eleições”, mas como isso é “improvável, a sua segunda linha de fogo é a de conturbar a vida cívica nacional”, por meio da “incitação de arruaças e sublevações”. O jornal afirma que organizações de Estado como Forças Armadas e Itamaraty são cúmplices de Bolsonaro. A chancelaria “rebaixa-se às fossas da conivência golpista”. “Basta de negociar com promotores da ditadura”, pede o periódico. O The New York Times afirma que Bolsonaro “parece estar aderindo ao plano de Donald Trump”.

Em nota, o Grupo Prerrogativas afirma que, “hoje (ontem, 18, segunda-feira) é um dia de alta gravidade para o Estado brasileiro, e não devemos ter meias palavras”.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), por sua vez, diz, também em nota, que a fala de Bolsonaro provoca “fundadas preocupações ante os conteúdos de ameaça de ruptura da ordem constitucional”. A entidade sublinha que “seus discursos de ódio ressoam e fazem vítimas, mesmo fatais”.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) declara que “reitera sua confiança no sistema eleitoral brasileiro, na Justiça Eleitoral e no modelo eletrônico de votação”. A entidade destaca que o modelo nunca teve registro ou indício de fraude, produzindo “eleições de políticos dos diversos partidos e ideologias que coexistem no país”. “As ministras e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contam com a confiança e o apoio da OAB”, acrescenta.

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