Mais retórica

Às vésperas do 31 de Março, Bolsonaro e aliados voltam a ameaçar Judiciário

Chefe do governo volta a questionar sistema eleitoral, enquanto deputado Daniel Silveira se recusa a cumprir decisão de Alexandre de Moraes

Fábio Rodrigues Pozzebom (ABr), Nelson Jr. (STF) e Marina Ramos (Câmara)
Fábio Rodrigues Pozzebom (ABr), Nelson Jr. (STF) e Marina Ramos (Câmara)
Bolsonaro provoca tensão entre os poderes, deputado rebelde se recusa a cumprir decisão de Moraes e Lira fala em tom ambíguo

São Paulo – Desde o início desta semana, Jair Bolsonaro e aliados voltaram a desafiar e ameaçar o Judiciário, velada ou diretamente. A tensão instaurada pelo bolsonarismo envolve o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Supremo Tribunal Federal (STF), o próprio chefe de governo e aliados como o deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ). Nesta quarta-feira (30), Bolsonaro retomou as ameaças ao Judiciário tendo o sistema eleitoral como mote. “Podem ter certeza que, por ocasião das eleições de 2022, os votos serão contados no Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos”, afirmou. O presidente não citou nomes, mas o recado é direcionado aos ministros Alexandre de Moraes, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições, Luís Roberto Barroso, ex-presidente do TSE e o atual, Edson Fachin, todos do STF.

O mandatário disse ainda que “tudo faremos – até com sacrifício da nossa vida (sic) – para que esses direitos sejam relevantes e cumpridos pelo nosso país”. Coincidência ou não, a nova escalada verbal do bolsonarismo coincide com a proximidade de mais um aniversário do golpe de 1964, que foi deflagrado na madrugada de 1° de abril daquele ano.

Na terça-feira (29), o ministro Alexandre de Moraes renovou a determinação para que o deputado Daniel Silveira use tornozeleira eletrônica, medida que deveria ser cumprida imediatamente pela Polícia Federal (PF), até mesmo dentro da Câmara dos Deputados.  Silveira é réu no STF por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições e ministros do Supremo.

Provocação ao STF

Mas o parlamentar bolsonarista afirmou que não vai cumprir a decisão. “Aqui eu falo em tribuna: não será acatada a ordem de Alexandre de Moraes enquanto não deliberar pela Casa. Quem decide isso são os deputados. Alexandre, cumpra a Constituição”, desafiou o rebelde, que pernoitou na Câmara para não cumprir a ordem.

Na semana passada, Moraes já havia determinado a medida, mas a PF e a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (Seap) não cumpriram a ordem. Segundo alegam, por não terem conseguido localizar o parlamentar. A decisão de Moraes é motivada por pedido da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, segundo a qual Silveira insiste em seu “comportamento delitivo”.

O deputado, em franca campanha por espaço na mídia, tem feito “inúmeras ofensas” contra ministros do STF e o próprio tribunal, segundo Lindôra. Ela pontuou que o deputado afirmou que “apenas o chefe do Executivo pode deter isso”. A ação penal contra Silveira (n° 1.044) foi movida pelo Ministério Público e o levou à prisão em flagrante em fevereiro de 2021.

Nas comemorações do 7 de Setembro do ano passado, Bolsonaro chamou Moraes de “canalha” e prometeu que não cumpriria decisões do ministro do STF. A afronta provocou reação imediata do Judiciário, a começar do presidente do STF, Luiz Fux, que chegou a falar em crime de responsabilidade. O chefe do governo então recuou e apresentou publicamente uma carta se desculpando, escrita, na verdade, pelo ex-presidente Michel Temer.

Fux pauta julgamento de Daniel Silveira

Após pressão de Arthur Lira, nesta quarta-feira (30) Fux pautou para o próximo dia 20 de abril o julgamento da ação penal contra Silveira, enquanto bolsonaristas na Câmara e o próprio acusado “exigem” que a Casa julgue e suspenda a ação penal 1.044 contra o parlamentar, o que pode ser feito, pela Constituição.

No final da manhã de hoje, Lira divulgou uma nota ambígua. “Decisões judiciais devem ser cumpridas, assim como a inviolabilidade da Casa do Povo deve ser preservada”, escreveu. “Ideal que o STF analisasse logo os pedidos do deputado Daniel Silveira e que a Justiça siga a partir desta decisão – mais ampla da nossa Corte Superior”, acrescentou.

Dirigindo-se ao mesmo tempo a Silveira e, aparentemente, ao STF e Moraes, Lira afirmou ainda que condena “o uso midiático das dependências da Câmara, mas sou guardião da sua inviolabilidade”. Classificou a situação como “armadilha” para “tensionar o debate para dar palanque aos que buscam holofote”.

Coincidências

“Na véspera de 31 de março, Bolsonaro golpista volta a ameaçar o Judiciário, questiona contagem de votos e incita milícias armadas”, postou no Twitter o deputado Ivan Valente (Psol-SP). “Presidente golpista que incita desrespeito à democracia não pode ser reeleito, tem que parar na cadeia!”, acrescentou.

“Vocês já notaram que todas as vezes que Bolsonaro está acuado, perdendo apoio, ele decide atacar a democracia brasileira e ameaça com tapetão?”, observou o senador Humberto Costa (PT-PE).

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