Propina

Bolsonaro adota práticas milicianas no Ministério da Saúde, aponta analista

Cientista político Paulo Niccoli Ramirez comparou a denúncia de propina na compra de vacinas às práticas de extorsão adotadas pelas milícias no Rio de Janeiro

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Autoritário e centralizador, Bolsonaro diz agora que não tem como saber sobre tudo o que ocorre nos ministérios

São Paulo – Para o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, exonerado nesta quarta-feira (30), após ser acusado de cobrar propina de US$ 1 por dose de vacina, pode ser apenas a “ponta do iceberg” de um esquema muito maior. Ele comparou ao modus operandi adotado ao de práticas milicianas do Rio de Janeiro que o presidente Bolsonaro apoia. Esses grupos são conhecidos por extorquir das comunidades “taxas” pelo fornecimento de serviços ilegais de energia, TV a cabo, gás de cozinha, dentre outros.

Mas tudo indica que Bolsonaro não operou sozinho. Contou com a participação de operadores políticos do Centrão e também dos militares. Assim, cai por terra o discurso do presidente de que não haveria corrupção no seu governo.

“Podemos dizer que o Ministério da Saúde foi equipado com as práticas administrativas da milícia”, disse Ramirez, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual. Ele destaca que são valores aparentemente pequenos – um dólar por dose –, mas, quando somados, atingem cifras bilionárias.

Centrão

Dias teria sido indicado ao ministério pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Além disso, Dias chegou a ser indicado por Bolsonaro para o cargo de diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele recuou da indicação após o envolvimento de Dias numa denúncia envolvendo um contrato para a aquisição de 10 milhões de kits de insumos para testes de covid-19. O mesmo funcionário também foi citado pelos irmãos Miranda como tendo feito pressão pela liberação do contrato de importação de 20 milhões de doses da vacina Covaxin.

Esses casos, segundo Ramirez, demonstram as “digitais” do Centrão. Contudo, há rivalidades também no interior desse grupo. Haveria, por exemplo, uma disputa por espaços de poder entre Barros e o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Essas desavenças internas poderiam colocar em risco o apoio do Centrão ao governo Bolsonaro.

Militares

Na denúncia revelada nesta terça-feira (29), pelo jornal Folha de S.Paulo, Luiz Paulo Domingetti Pereira, representante da Davati Medical Supply, relatou que além de Dias, também estavam presentes “um militar do Exército” e “um empresário lá de Brasília” no jantar em que lhe fizeram a proposta de cobrança de propina. A composição do encontro representa essa união, em torno de Bolsonaro, entre operadores do Centrão e representantes das Forças Armadas.

De acordo com o cientista político, o envolvimento dos militares nesse caso deve agravar também as divisões internas nas Forças Armadas. Enquanto um grupo participa ativamente do governo, outros generais da ativa e da reserva se preocupam com a politização dos quartéis. Além disso, faz desmoronar a “aura” incorruptível que os homens de farda tentam vender à sociedade.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira – Edição: Helder Lima