Pesquisa

Bolsonaro, Datafolha e a narrativa sobre a pandemia

Comportamento de parte da mídia em relação ao governo e exploração da situação dos trabalhadores informais podem ajudar a explicar manutenção da popularidade de Bolsonaro em meio à pandemia

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR
Reprovação a Bolsonaro sobe no Nordeste e também no Sudeste, entre mulheres, negros e negras, jovens entre 16 ee 24 anos

São Paulo – Nova pesquisa Datafolha, divulgada neste domingo (13) pelo jornal Folha de S.Paulo, mostra que 32% da população brasileira reprova o governo do presidente Jair Bolsonaro, considerando sua gestão ruim ou péssima. Por outro lado, 37% avaliam de maneira positiva, o que é sua melhor avaliação desde o início do mandato.

Ainda segundo o Datafolha, 29% consideram a gestão de Bolsonaro como “regular”. Outros 3% não souberam opinar. A pesquisa foi realizada entre os dias 8 a 10 de dezembro, com 2.016 brasileiros, por telefone. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Apesar de ser sua maior taxa de aprovação desde o início da gestão, o índice registrado por Bolsonaro é menor, porém, que o de seus antecessores eleitos no 1º mandato. Apenas o presidente Fernando Collor e os vices, Michel Temer, de Dilma, e Itamar Franco, de Collor, apresentaram um percentual menor após quase dois anos no cargo.

O advogado criminalista e integrante do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, José Carlos Portella Junior, acredita que a mídia tradicional tem responsabilidade pela manutenção da aprovação de Bolsonaro ao deixar de combater e denunciar os problemas causados pelo governo.

“A mídia comercial está deixando passar o que deveria ser atacado, como a irresponsabilidade de Bolsonaro no combate à pandemia. A mídia não escancara que o presidente é responsável por isso, porque isso não é óbvio para toda a população”, criticou, em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Segundo o levantamento, 52% dos entrevistados afirmam que Bolsonaro não tem nenhuma culpa pelo total de mortos decorrentes da covid-19, enquanto outros 38% disseram acreditar que o presidente é um dos culpados, mas não o principal, e 8% o apontaram como o principal culpado pelas mortes.

“Fui assistir ao telejornal de uma grande rede de televisão. Deram três minutos para uma reportagem sobre o caso de Flávio Bolsonaro e, em seguida, falaram sobre o arquivamento da denúncia contra Lula. Porém, fizeram uma matéria maior do que a anterior e ainda criando um tom de que ele não era inocente”, acrescentou Portella, ao lembrar das recentes acusações contra o filho de Bolsonaro, que foi beneficiado pela Abin, no caso de Fabrício Queiroz.

Sem projeto para os informais

Para a coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Tatiana Roque, todas as lideranças de extrema-direita no mundo conseguiram ganhar relevância em função de uma crise de confiança na ciência e nas instituições. E Bolsonaro, além de organizar esse sentimento na presidência da República, ainda explora a crise econômica a seu favor.

“Uma categoria que adere mais do que outras a seu discurso é a dos trabalhadores informais. Por que? Pensem bem que outra opção essas pessoas têm para seguirem a vida. A circulação é essencial não apenas à sua renda mas ao seu modo de vida. O auxílio emergencial segurou, mas como é temporário todos sabem que precisarão voltar ao ‘normal’, o que para eles quer dizer gente na rua. “, questiona Tatiana em seu perfil no Twitter.

“Ficar em casa é só para quem tem alguma segurança que permita isso. O que poderia dar essa garantia aos informais seria uma renda básica permanente (não auxílio temporário)”, pontua. “Por isso defendo tanto a renda básica. Além disso, outra medida poderia ter segurado a leviandade de Bolsonaro: uma articulação de lideranças políticas disposta a combatê-lo e a contrapor seus discursos. Isso aconteceu de forma fragmentada no início da pandemia, mas não vingou.”

Tatiana aponta que é necessário pensar em propostas alternativas a uma classe média que hoje é informal ou autônoma. “Quem são as lideranças de oposição capazes de expressar e organizar os sentimentos dessa camada fluida de pessoas que ainda apoiam Bolsonaro? Lembrem que não são apenas os 15% fascistas e apoiadores de ditadura. Tem uma camada de swing voters aí, pessoas que já votaram no PT muitas vezes. São de uma classe média que não é rica e que, em geral, está no mundo informal ou autônomo. Que projetos a oposição tem para eles?”, afirma, no Twitter.