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Alckmin gasta mais R$ 4 milhões com avião que promete fazer chover sobre represas

Técnica conhecida como 'semeadura de nuvens' depende de condições bastante específicas e não é cientificamente comprovada. No Brasil, apenas uma empresa presta o serviço

Luis Moura/Folhapress

Depois do Cantareira, o Alto Tietê será o alvo das ações aéreas e de captação do volume morto

São Paulo – O governo do estado de São Paulo informou ao jornal O Estado de S.Paulo que fechou novo contrato com a empresa Modclima no valor de R$ 4 milhões pelo serviço de “semeadura de nuvens”, processo que tenta fazer chover a partir do bombardeamento de partículas de água em nuvens, com uso de avião pulverizador.

A técnica vem sendo utilizada pela gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) há cinco meses sobre o Sistema Cantareira, que, no mesmo período, viu seu volume útil chegar a zero. Agora, a ideia é que os sobrevoos ocorram sobre o Sistema Alto Tietê. Nesta semana, o sistema, que atende a 14 milhões de pessoas em 36 municípios no interior paulista, chegou a nível inferior a 20% de seu volume útil e também pode passar a ter captação do “volume morto”, camada de água abaixo das comportas das represas, assim como ocorre nas represas do Sistema Cantareira desde maio.

O novo contrato de R$ 4 milhões com a Modclima, mesmo valor pelo qual o serviço foi contratado no começo do ano, soma-se a outros investimentos de emergência que o governo estadual tem anunciado para lidar com a seca atual – agravada pela falta de investimentos em captação, distribuição e tratamento de água –, desde que as medições começaram a ser feitas.

No total, de acordo com anúncios públicos de Alckmin, o governo estadual teria investido cerca de R$ 160 milhões para instalar as estruturas de captação de águas do volume morto, como canais e bombas de sucção, e conectar os sistemas Alto Tietê e Rio Grande, que fornece água a 3 milhões de pessoas no ABC Paulista, à rede originalmente mantida com água do Sistema Cantareira, que atende a 14 milhões de pessoas em São Paulo e na Região Metropolitana.

Por diferentes motivos, as contratações ocorreram sem a realização de licitação: no caso das obras para interligação de sistemas e captação de volume morto, o argumento para a dispensa de licitação foi a situação de urgência em que está o abastecimento de água potável no estado de São Paulo.

Já no caso dos aviões, a Modclima é a única empresa no Brasil que presta esse tipo de serviço e, portanto, é contratada de forma direta. O problema, porém, segundo especialistas, é que não há comprovação científica de que o método funciona, e as condições para registrar sucesso são bastante específicas.

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“Você precisa atingir um grande número de nuvens em um curto espaço de tempo para criar uma chuva suficiente para abastecer um reservatório de água. Não adianta chover em um único ponto, tem de chover muito sobre uma área muito grande da superfície do reservatório”, afirmou a professora Maria Assunção da Silva Dias, do Instituto de Ciências Atmosféricas da USP, em entrevista à RBA em fevereiro deste ano.

Não entendo com base em qual indicador o governo estadual mantém esses contratos, já que os resultados não podem ser mensurados objetivamente. Toda época de seca eles voltam com os aviões, e os resultados nunca são perceptíveis”, completou.

Os problemas que o governo estadual tenta resolver com investimentos emergenciais poderiam ter sido evitados com investimentos nos últimos 10 anos, período no qual a concessão de exploração da água no Cantareira à Sabesp previa investimentos para reduzir a dependência da capital paulista dos reservatórios que compõem o sistema.

Esses investimentos, no entanto, não ocorreram. O “rombo” começa no ano de 1998: até então, os investimentos da Sabesp vinham em crescente, com pico R$ 1,18 bilhão. No ano seguinte, no entanto, o valor foi menos da metade disso: R$ 457 milhões. O mesmo patamar só foi retomado – e superado – em 2008, quando a estatal investiu R$ 1,85 bilhão.

O investimento previsto para este ano é de R$ 2,62 bilhões, mas, a partir do próximo ano, a previsão é que volte a cair. Atualmente, investigações do Grupo de Atuação Especial para o Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público, e da Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, que age ao lado do Ministério Público Federal, averiguam se houve improbidade administrativa por parte das gestões estaduais de 2004 a 2014 em relação aos investimentos e às suas respectivas aplicações para garantir o fornecimento de água potável no estado.