Procuradoria Geral fala em desvio de dinheiro público e aponta Dirceu como mentor do mensalão

Roberto Gurgel minimizou a falta de provas materiais contra Dirceu e o acusou de ser o líder do mensalão (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr) Rio de Janeiro – “A acusação persiste nos exatos termos […]

Roberto Gurgel minimizou a falta de provas materiais contra Dirceu e o acusou de ser o líder do mensalão (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Rio de Janeiro – “A acusação persiste nos exatos termos das alegações finais [da Procuradoria Geral da República]”. O aviso, dado pelo procurador geral Roberto Gurgel logo no início da segunda audiência do processo do mensalão, realizada na sexta-feira (3) resumiu à apresentação da peça de acusação feita no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao final da acusação, Gurgel pediu a condenação de 36 réus e a absolvição, por falta de provas, de Luiz Gushiken e Antonio Lamas.

Após reclamar do tempo que teria para falar – “cinco horas é pouco” -, Roberto Gurgel disse que o “mensalão não é delírio, ao contrário da afirmação recorrente dos defensores dos réus” e reafirmou as linhas gerais da acusação em pontos cruciais como a existência do crime de formação de quadrilha, a compra de apoio de parlamentares e o desvio de dinheiro público. Ele também apontou o ex-ministro José Dirceu como principal mentor do esquema e dirigente de um núcleo político que contaria também com os então dirigentes petistas José Genoino e Delúbio Soares.

“Foi, sem dúvida, o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil. Maculou-se gravemente a República. Instituiu-se, à custa do desvio de recursos públicos, uma sofisticada organização criminosa, um sistema de enorme movimentação financeira à margem da legalidade, com o objetivo espúrio de comprar os votos de parlamentares nas matérias tidas como especialmente relevantes pelos líderes criminosos”, disse o procurador geral da República.

Gurgel detalhou a existência de três núcleos que operariam os recursos do mensalão -operacional, político e financeiro – e dividiu a apresentação das provas por núcleos: “Estou absolutamente convencido de que a prova colhida no curso da instrução, associada aos elementos que instruíram o inquérito, comprovou a autoria e a materialidade dos delitos objetos da acusação, bem como o dolo com que agiram seus autores. O conjunto probatório efetivamente não deixa dúvidas quanto à procedência da acusação”, disse. 

O procurador destacou o tamanho do processo e afirmou que o caso foi investigado exaustivamente: “Os autos da ação penal são compostos por 235 volumes e 500 apensos. São milhares de depoimentos, realizaram-se dezenas de perícias, colheram-se centenas de depoimentos, juntaram-se as análises da Controladoria Geral da União, do Banco Central e da CPMI dos Correios”, disse. 

‘Líder do grupo’

Ao falar daquilo que qualificou como “núcleo político do mensalão”, Roberto Gurgel reafirmou outra esperada tese da acusação, que aponta o ex-ministro José Dirceu como principal mentor do esquema: “Na condição de líder do grupo, José Dirceu exerceu papel de fundamental importância para o sucesso do esquema ilícito concebido […] e foi a principal figura de tudo o que apuramos. Foi o mentor da ação do grupo e seu grande protagonista”.

Gurgel também insistiu na alegação da compra de votos, contrariando a defesa do ex-ministro que na segunda-feira (6) defenderá a tese da formação de caixa dois: “Foi José Dirceu quem idealizou o esquema ilícito de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante do pagamento de vantagens indevidas aos seus integrantes e comandou a ação dos demais acusados para a consecução desse objetivo”, disse.

A falta de prova materiais contra José Dirceu foi minimizada pelo procurador geral, que se baseou em provas testemunhais para pedir a condenação do ex-ministro: “O autor intelectual – que, apesar de ter o domínio final do fato, não aparece ostensivamente nos atos de execução do crime – apresenta características diversas dos demais agentes que executam os delitos e, por isso mesmo, deixam rastros materiais dos crimes cometidos que podem ser facilmente aprendidos pelos meios de prova tradicionais. Em regra, o autor intelectual dos chamados crimes organizados age entre quatro paredes, em conversas restritas com os demais agentes do crime […], não deixando rastros facilmente perceptíveis de sua ação”, disse.

Núcleo

 

Sobre os outros réus apontados como integrantes do núcleo político do mensalão, Roberto Gurgel afirmou que José Genoíno “era o interlocutor político do grupo”, mas “não possuía autonomia para bater martelo dos acordos, que teriam que ser ratificados pela Casa Civil”. Ele aponta o ex-presidente do PT como avalista do esquema: “Paralelamente aos acordos políticos para a formação da base aliada, Genoíno contribuiu para a aquisição dos recursos para pagamento dos valores. Ele avalizou supostos empréstimos em valores milionários tomados pelas empresas de Marcos Valério, no Banco Rural e no BMG, dando seu patrimônio pessoal como garantia”. 


O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, segundo o procurador geral, “integrou o grupo criminoso desde 2003, sendo o principal elo entre os núcleos político, operacional e financeiro”. Segundo a acusação, “coube a ele [Delúbio] indicar a Marcos Valério os valores e os nomes dos beneficiários dos recursos”.

A importância de Valério para o esquema também foi ressaltada pela acusação: “Para viabilizar os recursos necessários aos pagamentos aos parlamentares, o núcleo valeu-se da atuação de Marcos Valério, principal operador do esquema”. Segundo Gurgel, o grupo agia da seguinte forma: “Efetuados os acordos dos apoios políticos, cabia a Delúbio Soares transmitir a Marcos Valério os valores e os nomes dos beneficiários. Ele providenciava o dinheiro e a entrega aos beneficiários, que era feita em agências bancárias e quartos de hotel. De mero financiador, tornou-se operador influente, tornando-se homem da mais absoluta confiança de José Dirceu”.

Para operar o esquema, sustenta a acusação, Valério se valia de suas empresas e contava com a ajuda dos sócios: “Cristiano Paz, Ramon Hollenbach e Marcos Valério eram sócios da SMP&B e da Grafite Participação Ltda, que era sócia da DNA Propaganda. Perícias e laudos comprovaram que eles participaram ativamente de todas as fraudes nas empresas com o objetivo de abastecer o esquema”, disse Gurgel.