Reino Unido envia SMS a imigrantes sem documentos dizendo para saírem do país

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Lawrence Looi/EFE

Agora, além de enfrentar perseguição nas ruas, os imigrantes sofrem com ameaças por celular

São Paulo – “Você não tem mais o direito de permanecer no Reino Unido e deve, portanto, deixar o país”. Suresh Grover, cidadão britânico desde 1966 e importante figura nacional na luta dos direitos humanos, recebeu este SMS no mês passado e para sua surpresa, não era uma ameaça de algum grupo de extrema-direita ou brincadeira de algum amigo. A mensagem foi enviada pela Agência de Imigração do Reino Unido (UKBA) e seu conteúdo era oficial.

O ativista, que lidera campanhas para investigar mortes de imigrantes no Reino Unido, pediu mais explicações ao órgão sob a lei de liberdade de informação de 2000. Segundo a resposta emitida pela UKBA, o SMS foi enviado pela empresa Capita que, em setembro de 2012, ganhou contrato milionário do governo para rastrear 174 mil imigrantes sem papéis no país e pedir que fossem embora. As informações sobre Grover e outros milhares de estrangeiros que vivem no Reino Unido foram passadas pelo Ministério do Interior em uma lista de imigrantes com “êxito negativo” para a empresa investigar.

Pelo menos 39,1 mil indivíduos foram contatados pela empresa por celular, de acordo com estimativas da UKBA – que afirmou, no entanto, que este número pode aumentar. Entre os “suspeitos” encontram-se centenas de imigrantes que, como Grove, vivem legalmente no país. Por esta razão, mais de 200 pessoas entraram com reclamações formais contra a agência.

As mensagens de texto começaram a ser enviadas no natal do ano passado e chegaram a conhecimento nacional em janeiro de 2013 quando a mídia local retratou casos de imigrantes legais que receberam o recado.

Na época, a empresa respondeu às queixas informando que trabalhava com base nas informações recebidas da agência do governo e que aqueles em situação legal deveriam apenas ligar para o número informado no SMS. “A Capita foi instruída a contatar indivíduos independentemente de sua representação legal, pois muitos dos arquivos da UKBA estão desatualizados”, informou em comunicado.

O governo britânico também se pronunciou sobre o caso. “Onde nossos registros mostram pessoas que vivem aqui ilegalmente, é vital que possamos contatá-los para determinar que devem voltar à suas casas”, disse a UKBA. “Essa é a primeira vez que um governo tem tomado medidas proativas para lidar com esse conjunto de casos.”

Evidências: imigrantes investigados pelo Facebook

Mesmo depois do escândalo, a Capita continuou com a prática e pouco se sabe sobre seus métodos investigativos. Uma pesquisa desenvolvida pelos sociólogos Les Back, da Universidade de Goldsmith, e Shamser Sinha, da Universidade de Suffolk, levanta indícios de que a empresa investiga imigrantes suspeitos pelas redes sociais.

“O celular de Christian vibrou assim que ele entrou no voo para a Croácia”, escreveram os pesquisadores em artigo. “Duas semanas atrás, a UKBA havia lhe informado que não possuía mais permissão para viver no Reino Unido e pediu detalhes de quando planejava deixar o país. No Facebook, ele informou a seus amigos na Croácia que estava voltando para casa. Antes de desligar o celular para o voo, Christian olhou e viu a nova mensagem: ‘tenha uma boa viagem’”. O SMS havia sido enviado pela UKBA.

O rastreamento de estrangeiros que vivem sem documentos no país não foi uma medida isolada do governo britânico; pelo contrário, Londres deu início a uma dura política contra esses imigrantes, que se intensificou no último ano. O premiê David Cameron elegeu como prioridade o combate à imigração irregular.

Em julho deste ano, vans com mensagens sugerindo a imigrantes sem papéis que denunciem a si mesmos rodaram por uma semana em Londres. Os carros ajudam na distribuição de panfletos, todos em inglês, explicando como o imigrante clandestino deve fazer para se entregar. Nenhuma facilidade é oferecida. O custo da operação, que também inclui um serviço de mensagem de texto para quem quiser se entregar, foi de aproximadamente R$ 35.000, segundo o governo britânico.

A circulação dessas vans levantou polêmica dentro da coalizão governista entre conservadores e liberais-democratas. Enquanto o primeiro-ministro David Cameron quer estender a iniciativa para todo o país, seu vice, Nick Clegg, disse ser uma estratégia “pouco inteligente”.

Na semana passada, o Ministério do Interior anunciou novas medidas contra estrangeiros que vivem no país sem documentos. A legislação, que ainda deve ser aprovada pelo parlamento, foi descrita pela ministra do Interior, Theresa May, como tendo o objetivo de “criar um ambiente hostil aos imigrantes sem documentos”.

O texto constitucional exige verificação sobre o status jurídico de todos os estrangeiros que tentem abrir conta bancária, alugar propriedade, adquirir carteira de motorista e acessar o sistema de saúde. Também ficará mais difícil para imigrantes sem documentos recorrerem contra decisões de deportação. Segundo a nova lei, as autoridades britânicas devem extraditar antes da apelação. Além disso, os recursos poderão ser apresentados em até 4 decisões judiciais e não mais 17, como atualmente. As medidas recairiam apenas nos casos de pessoas que não correm riscos “de mal irreversível” se mandadas de volta a seus países.

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