O mal

Negacionismo de Erdogan agravou tragédia na Turquia. Mortos passam de 8.500

Presidente, de extrema direita, deixou de atender alertas e normas de segurança, apesar de o país já ter passado por duas tragédias similares

Unocha/Ali Haj Suleiman
Unocha/Ali Haj Suleiman
Na Síria (foto) e na Turquia, famílias passaram mais uma madrugada congelante tentando libertar seus parentes dos destroços provocados pelo terremoto

São Paulo –  O número de mortes provocadas pelo terremoto de magnitude 7,8, que atingiu a Turquia e a Síria há dois dias, subiu a 11.200 nesta quarta-feira (8). De acordo com o vice-presidente turco, Fuat Oktay, ao menos 8.574 desses óbitos ocorreram no país. Outras 50 mil pessoas estão feridas no território. Já na Síria, assolada por mais de uma década de guerra civil, o total de vítimas chegou a 2.500 na madrugada. Segundo balanço do governo e das equipes de resgate nas zonas rebeldes, os feridos ultrapassam 4.654. 

Mais de 48 horas após e apesar das condições climáticas severas de frio da região, as equipes de resgate ainda buscam por sobreviventes nos escombros. Mas, à medida que a amplitude do desastre fica evidente, a desesperança também vem abatendo as famílias, que passaram mais uma madrugada congelante tentando libertar seus parentes de destroços, conforme detalhou o jornal Folha de S. Paulo

Na Turquia, epicentro dos sismos, acumulam-se queixas de que o governo não tem dado assistência adequada à população nas áreas atingidas, mesmo após o presidente, Recep Tayyip Erdogan, ter decretado estado de emergência em dez províncias. A população de Antakya, no sul do território turco, por exemplo, denuncia que não há equipe de emergência pela cidade e nem distribuição de comida. “Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou frio aqui”, lamentou à reportagem um morador identificado como Melek. 

Traumas

Agências internacionais de notícia também reportam que dezenas de corpos são vistos enfileirados em frente a hospitais em províncias do sul da Turquia. Parte dos sobreviventes, por sua vez, estão dormindo em carros e nas ruas, enrolados em cobertores. Eles temem entrar nos prédios atingidos pelo sismo, considerado o mais mortal desde 1939, quando 33 mil morreram.

A Turquia já passou por outra tragédia semelhante quanto, em 1999, um tremor de terra matou ao menos 17 mil pessoas. Essa tragédia levou a população a cobrar legislações para prevenção a terremotos, segundo a pesquisadora turca Asli Aydintasbas, do laboratório e instituto de ideias Brookings, em Washington, capital dos Estados Unidos.

Em artigo publicado nesta terça (7), no jornal The Washington Post, Asli conta que foi justamente essa uma das razões que inspirou no país um “enorme desejo por mudança” que beneficiou também o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) do atual presidente da Turquia que, agora, ela aponta como responsável por mais essa tragédia no país. 

Responsabilidade de Erdogan

De acordo com a pesquisadora, conforme o líder da extrema-direita foi ampliando seu poder, o interesse em atender normas de segurança europeias erodiu. Apenas em 2018, quase duas décadas após o tremor de 1999, a Turquia aprovou a legislação de prevenção a terremotos. Mas essas regras não foram seguidas pelo presidente, que continuou encorajando a falta de supervisão tácita sobre o setor de construção, considerado uma “joia da coroa da economia”. Em 2013, o governo Erdogan prendeu em um protesto ainda o urbanista Tayfun Kahraman, um dos críticos dessa mentalidade de desenvolvimento desenfreado. 

“Em 1999, nós aprendemos rapidamente que não é o terremoto em si que mata as pessoas, são os blocos de concreto fabricados pelo homem que matam”, escreveu Asli. 

“O desastre natural é um aspecto da história. A dependência da Turquia em relação ao crescimento econômico impulsionado pela construção, o clientelismo e sua disposição em ignorar seus próprios padrões de construção são o outro. O primeiro foi inevitável. Foi o segundo que levou às mortes em massa? No mínimo, o povo turco terá todo direito de exigir uma investigação detalhada precisamente dessa questão”, concluiu no artigo.