Na Cidade de Deus, Obama mostra simpatia, mas para poucos espectadores

Na visita à comunidade, que durou cerca de meia hora, maior parte dos moradores foi obrigada a ficar longe do presidente estadunidense

O presidente norte-americano assiste apresentações culturais entre crianças da Cidade de Deus (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Rio de Janeiro – Os moradores de Cidade de Deus estavam em polvorosa. Durante toda a manhã de domingo, era grande a ansiedade pela passagem do presidente Barack Obama no local. Ninguém sabia os detalhes – horário, trajeto, atividades – mas muitos queriam estar perto, acenar ou mesmo apenas enxergar o presidente estadunidense na sua vizinhança. A visita de Obama, no entanto, acabou como frustração para a maior parte das pessoas. Apenas os moradores das casas imediatamente em frente do Centro de Referência da Juventude tiveram a chance de receber os acenos de um simpático presidente na rua. O restante da população ficou a pelo menos 50 metros do local.

A comunidade foi completamente isolada para a visita de Obama. Por toda a manhã, o trânsito ficou interrompido. Nem os ônibus podiam transitar, o que causou dúvidas entre os moradores. Além disso, as ruas que fariam parte do trajeto da comitiva foram “recuperadas” emergencialmente na semana anterior: a prefeitura fechou buracos, podou árvores e pintou grades. “Bem que o Obama podia vir uma vez por mês, aí, quem sabe, isso aqui ficasse mais arrumado”, brincou o comerciante Anderson Santos, morador da Cidade de Deus desde que nasceu. “Agora, se a gente for pedir amanhã na Prefeitura para consertarem alguma coisa, vão nos enxotar”, acredita. Apesar de acreditar que a comunidade foi maquiada, Anderson não era contra a visita. “Acho que a comunidade vai ficar mais bem vista por aí”, diz.

Essa é a mesma opinião do vendedor Marcelo Soares. “Acho que qualquer um pode visitar a Cidade de Deus, mas não vai ter nenhuma melhoria para a comunidade”, disse. Mesmo assim, Soares encarnou um protesto de um homem só durante a visita, com uma camiseta (em inglês) alertando o presidente de que a ‘Amazônia é nossa’. “Quando era senador, Obama chegou a dizer que a Amazônia não tinha dono. Estou aqui para dizer que, se é assim, todos os recursos naturais do mundo deveriam ser internacionalizados”, afirmou.

A maquiagem do bairro, no entanto, não foi tão bem recebida por Haroldo Moraes. “É errado maquiar algumas ruas da comunidade quando todo o resto está esquecido. O esgoto é jogado nos córregos, tem um monte de lixo e até aminais mortos no rio”, reclama, apontando para o Canal do Rio Grande, que atravessa o local. “O Obama vem aqui para mostrar que é um cara que se importa com o povo, mas está no Brasil só por causa do petróleo. Não dá pra aceitar”, afirma.

Apesar de alguns protestos, a maior parte dos moradores não só queria ver Obama como apoiava sua visita. “Temos que agradecer. Há alguns anos não podíamos colocar no currículo que morávamos na Cidade de Deus, porque ninguém dava emprego. Hoje já não é assim”, diz Sonia Coelho, moradora do bairro há 45 anos. “Quem sabe com essa visita a imagem da comunidade não melhore ainda mais”, torce.

Embaixadinhas e capoeira

No galpão do Centro de Referência da Juventude, Obama assistiu a apresentações de capoeira e futebol preparadas por crianças da comunidade. O presidente norte-americano chegou a arriscar algumas embaixadinhas, mas seu talento no futebol não impressionou as crianças. “Ele fez só duas embaixadinhas”, disse Bárbara Aline Mendes, 11 anos, umas das participantes do grupo de futebol. “Mas ele foi simpático”, disse. Vitória Barbosa Duarte, 10 anos, se apresentou com o grupo de capoeira e também gostou do presidente. “Ele cumprimentou todo mundo, foi legal”, contou.

Mas a maior diversão aconteceu depois que o presidente deixou o local. Sem a solenidade que a presença ilustre trouxe à apresentação, as crianças se divertiam tentando conversar com agentes do serviço secreto dos Estados Unidos e mexer em seu equipamento. Com simpatia, os agentes tentavam responder às perguntas, apesar da dificuldade com o idioma.

Fora do galpão das apresentações, o clima de euforia era substituído pela frustração. Diversas pessoas perguntavam se Obama havia realmente aparecido e se ele já havia deixado o local. “Não acredito que não o vi. Foi a maior frustração ele vir aqui e não falar com o povo. Ninguém ia comer ele”, reclamou Maria de Lourdes Pereira, de 66 anos, 43 deles vivendo  na Cidade de Deus. “Todo mundo torceu para ele ganhar a eleição e ficamos tristes porque ele nem apareceu direito”, disse.