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Crise econômica leva portugueses a adiarem decisão sobre primeiro filho

Efeitos da recessão são observados também no modo como população se trata psicologicamente e no uso de drogas

Governo de Portugal

Pesquisa “A intenção de ter crianças e o adiamento em tempos de incerteza”, do ICS, deve ser concluída em 2014

São Paulo – A crise econômica em Portugal não causa somente desemprego e rombos nas contas públicas, mas também está levando os casais lusitanos a adiarem o nascimento do primeiro filho. A pesquisa “A intenção de ter crianças e o adiamento em tempos de incerteza” é da investigadora do ICS (Instituto de Ciências Sociais) da Universidade de Lisboa Vanessa Cunha e deverá ser concluída em 2014.

Segundo Vanessa, a primeira constatação do projeto é de que a sociedade portuguesa costumava mostrar uma espera curta para decidir ter o primeiro filho, mas um período mais longo para o segundo. Isso já era um prenúncio de uma tendência de filho único desde os anos 1990 e que persiste até hoje.

“Deixar a decisão de ser mãe e pai para mais tarde resulta principalmente de uma insegurança financeira somada à precariedade econômica e dificuldades ligadas ao custo de educação dos filhos”, diz a pesquisadora. Um outro estudo indica que, em dez anos, a idade média das mulheres em Portugal para ter o primeiro filho passou de 26,8 anos para 29,2 anos.

“Na minha perspectiva é uma mensagem política muito negativa aquela de que o Estado não pode apoiar as pessoas que querem ter filhos”, com abonos ou licenças de paternidade, se sozinhas não conseguem ter as condições necessárias, afirma Vanessa. O que ocorre é que “se cria uma profunda desigualdade no acesso à paternidade e passa a ter filhos quem pode e não quem quer”.

Ajuda psicológica

O retrato da crise financeira em Portugal – com seu desemprego de 17,5% e queda acumulada de 7,3% no Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos dois anos e meio – reflete-se em outros aspectos da sociedade.

Um estudo que será publicado pela revista Proteste revela que houve um aumento na quantidade de pessoas que, desejando se tratar psicologicamente, passou a preferir se consultar com médicos de família em vez de recorrer a especialistas. O índice subiu de 11% em 2002 para 19% agora, apesar de 97% acreditarem que é útil e benéfico procurar apoio profissional.

Do total, 78% dos que se consideraram com sofrimento emocional e psicológico “bastante acentuado” optaram por não procurar ajuda psicológica e, destes, 13% afirmaram que o custo seria um entrave. Há 11 anos, 29% procuravam psicólogos, enquanto hoje a taxa é de 17%.

Para Osvaldo Santos, coordenador do estudo, é preciso priorizar as questões de saúde mental, até porque “quanto mais saúde mental, mais produtividade no trabalho existe e menos custos de saúde”. O especialista citou investigações que mostram que a taxa de suicídio aumenta em 0,3% a cada 0,1% no aumento de desemprego.

Drogas

Um outro estudo, ainda que não explicite a relação com a crise econômica, aponta um decréscimo no uso de drogas recreativas e aumento no das que aliviam o sofrimento. João Goulão, presidente da Agência Europeia de Informação sobre Drogas (EMCDDA), explicou durante apresentação do Relatório Europeu Sobre Drogas, em Lisboa, as trajetórias das diferentes substâncias: a maconha continua sendo a droga mais consumida, a cocaína entra em uma fase de planalto após uma fase de crescimento, assim como a heroína, que estava em declínio e agora apresenta tendência de subida.

“Felizmente, temos uma diminuição sustentada do número de novos utilizadores, em particular naquilo que diz respeito à heroína. São raros os jovens de mais tenra idade que entram nesse tipo de consumo, aquilo que temos são pessoas mais velhas, algumas delas com passados de consumo e que, nas atuais condições, acabam por recair”, explicou.

O pesquisador alerta também para uma mudança de pensamento entre portugueses sobre políticas públicas de saúde. “Temos gozado, ao longo da última década, ou talvez mais, de um consenso alargado na sociedade portuguesa relativo à bondade das políticas que temos prosseguido relativas à toxicodependência”, mas “agora que outros grupos populacionais começam a sentir carências, receio que haja – e há alguns sinais nesse sentido – um regresso da ideia de que isto não é, de fato, uma doença como as outras, que é uma doença autoinfligida (…). Não vamos gastar recursos que fazem falta a outras áreas da sociedade”.

Com informações de Público e Agência Lusa

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