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Sanções esportivas contra a Rússia são vistas como ‘hipocrisia’ por jornalistas

Entidades excluíram russos de competições, mas não puniram outros países que cometeram violações de direitos humanos

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Jornalistas apontam para a falta de posicionamento das entidades sobre outros ataques a direitos humanos cometidos por outros países. O Catar, por exemplo, permitiu que 6,5 mil trabalhadores morressem durante as obras para o torneio deste ano

São Paulo – A Rússia, em guerra contra a Ucrânia, foi alvo de sanções esportivas ao longo dos últimos dias. A Federação Internacional de Futebol (Fifa) e a União das Federações Europeias de Futebol (Uefa), por exemplo, determinaram a exclusão dos russos das eliminatórias para a Copa do Mundo do Catar, neste ano. A seleção russa também foi banida de competições internacionais por tempo indeterminado. A seleção masculina jogaria contra a Polônia no dia 24 pela repescagem do torneio. Para jornalistas, as punições soam de maneira “hipócrita” por parte das entidades.

O jornalista da ESPN e editor-chefe do The Players’ Tribune Brasil, Breiller Pires, afirmou que as mesmas sanções não foram aplicadas a outros países que também entraram em guerra. “Se a FIFA tivesse adotado desde os anos 90 o mesmo critério que eliminou a Rússia, os Estados Unidos não sediariam uma Copa depois de invadir em sequência Iraque, Kuwait, Haiti e Somália, nem chegariam às quartas no ano seguinte à invasão do Afeganistão. Que vire regra. Para todos”, criticou em seu Twitter.

A Uefa também transferiu a final da Liga dos Campeões, prevista para se realizar em São Petersburgo, para o Stade de France, em Saint-Denis, na França. Além disso, o conselho da Fifa vetou a exibição de símbolos da Rússia, incluindo bandeiras e hino, em partidas oficiais, além da proibição de seus eventos em território russo.

O jornalista e historiador Mauricio Brum endossa que as sanções das entidades contra a Rússia não possuem “motivo moral”. “A exclusão da Rússia da Copa do Mundo nada mais é do que um movimento de relações públicas. Não existe qualquer motivo ‘moral’ por trás da decisão. A Fifa nunca fez nada contra os EUA após a invasão ao Iraque sob premissas mentirosas. A Copa ainda será no Catar”, afirmou em sua rede social.

Suspensão de times

O Comitê Olímpico Internacional (COI) também recomendou exclusão dos atletas da Rússia e de Belarus de todas as competições internacionais organizadas pelas federações esportivas subordinadas à entidade. Caso não seja possível impedir a participação de atletas, o COI recomendou que as federações esportivas e organizadores de competições só permitam a participação como atletas ou equipes neutras.

As sanções da Uefa também afetaram os clubes da Rússia. Na última segunda-feira (28), foi anunciada suspensão de times russos de todas as suas competições até nova ordem. Com isso, o Spartak Moscow foi eliminado da Liga da Europa. O clube tinha jogo marcado para o próximo dia 10, pelas oitavas da competição contra o RB Leipzig, da Alemanha.

Outros jornalistas apontam para a falta de posicionamento das entidades sobre outros ataques a direitos humanos cometidos por outros países. O Catar, por exemplo, permitiu que 6,5 mil trabalhadores morressem durante as obras para o torneio deste ano. “A invasão da Ucrânia precisa ser condenada. Mas a exclusão da Rússia da Copa soa hipocrisia. O Catar usou largamente trabalho escravo nas obras, que mataram muitos imigrantes. A Fifa sabia disso e não mudou a sede. Uma coisa é pressão pela dignidade, outra, oportunismo”, disse Leonardo Sakamoto.

O também jornalista Guga Chacra, em sua coluna no jornal O Globo, lembra que a ditadura dos Emirados Árabes, que bombardeia o Iêmen, sediou o Mundial de Clubes da Fifa semanas atrás, que consagrou o Chelsea como campeão. “Ao longo das décadas, a Fifa nunca puniu as federações do Irã e da Arábia Saudita, apesar de ambas proibirem mulheres nos estádios. Os Estados Unidos tampouco foram suspensos quando George W. Bush invadiu o Iraque com base em informações falsas”, escreveu. “Se quiser ir mais longe, lembro que a Fifa realizou uma Copa do Mundo na Argentina em 1978, quando a Junta Militar torturava e matava opositores na Escola Superior da Mecânica Armada, a poucos quarteirões do estádio Monumental Nuñez em Buenos Aires, onde torcedores celebravam os gols de Mario Kempes”, acrescentou no texto.