Perplexidade

Rússia x Ucrânia: crescem as tensões de uma guerra inaceitável, porém provocada

Nada torna a invasão da Ucrânia pela Rússia aceitável, diz Boaventura. “Não se pode dizer que não foi provocada. E a Rússia, como potência que é, não se devia deixar provocar.

Sputinik
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Rússia anuncia intensificação de ataque e comboio de 64 km se dirige a Kiev

São Paulo – O sexto dia de guerra da Rússia contra a Ucrânia levantou ameaças de intensificação de ataques. Com um comboio de 64 quilômetros de extensão, identificado por imagens de satélite, o Exército russo pretende consolidar a ocupação da capital Kiev. Isso horas depois de ter ampliado bombardeios contra Kharkiv, segunda maior cidade ucraniana. Um ataque aéreo teria deixado 10 mortos e 20 feridos, segundo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que acusou a Rússia de “terrorismo”.

Ontem (28), a primeira reunião entre os dois países desde o início da operação militar, em 24 de fevereiro, deu em nada. A Ucrânia quer o cessar fogo imediato e o fim da operação militar. Enquanto a Rússia quer a retirada de arsenal nuclear dos Estados Unidos de pontos europeus. Além disso, cobra o afastamento da Otan, bloco militar liderado pelos EUA, de países do Leste Europeu.

A situação de impasse é uma usina de tensões. Isso porque o Exército russo, em meio a uma resistência possivelmente inesperada das forças ucranianas, pode se ver impelido a aumentar o impacto destrutivo de suas operações. Por outro lado, o governo da Ucrânia apela para que sua população resista, sendo acusado pela Rússia de usar cidadãos como escudo. “As forças da Ucrânia estão instalando armamentos pesados em pátios de edifícios residenciais, perto de escolas e jardins de infância, usando civis como ‘escudos humanos'”, disse nesta terça-feira (1º) o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu.

rússia x ucrânia
Destruição após ataque aéreo aKharkiv nesta terça (Reprodução)

Perdas incalculáveis

O cenário de isolamento da Rússia no ambiente global também contribui para o agravamento das tensões, já que o país de Vladimir Putin não entrou nesse movimento para perder. Entretanto, por mais que tenha suas justificativas relacionadas a proteção de seu território e descumprimento de acordos por parte de EUA e Otan, Putin errou. Para muitos analistas, ao cometer uma invasão territorial ilegal, o líder russo teria dado munição política para o bloco militar ocidental.

“A invasão da Ucrânia pela Rússia é ilegal e deve ser condenada. A mobilização de civis decretada pelo presidente da Ucrânia pode ser considerada um ato desesperado, mas faz prever uma futura guerra de guerrilha”, avalia o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em recente artigo no site A Terra é Redonda. Para Boaventura, Putin deveria relembrar a experiência dos EUA no Vietnã. “O Exército regular de um invasor, por mais poderoso que seja, acabará derrotado, se o povo em armas se mobilizar contra ele. Tudo isto faz prever incalculáveis perdas de vidas humanas inocentes. Ainda mal refeita da pandemia, a Europa prepara-se para um novo desafio de proporções desconhecidas. A perplexidade perante tudo isto não poderia ser maior”, observa o sociólogo.

Desse modo, mesmo se ponderando as razões russas, o isolamento de Putin é tendência difícil de reverter. “Como e por que chegamos aqui? Há trinta anos a Rússia (então União Soviética) saía derrotada da Guerra Fria, desmembrava-se, abria as suas portas ao investimento ocidental, desmantelava o Pacto de Varsóvia (o correspondente soviético da Otan). O que se passou desde então para que o Ocidente esteja hoje de novo a defrontar a Rússia?”, questiona Boaventura.

Nenhuma diferença

Ele prossegue: “Qual é a diferença entre o Kosovo e Donbass, onde as repúblicas etnicamente russas realizaram referendos em que se manifestaram a favor da independência? Nenhuma, exceto que o Kosovo teve apoio da Otan e as repúblicas do Donbass, da Rússia”, afirma.

Boaventura lembra que acordos de Minsk de 2014 e 2015 previam a grande autonomia destas regiões, mas que a Ucrânia recusou-se a cumpri-los. “Foram, pois, rasgados muito antes de Putin fazer o mesmo. Qual a diferença entre a ameaça à sua segurança sentida pela Rússia perante o avanço da Otan e a crise dos mísseis de 1962, quando os soviéticos tentaram instalar mísseis em Cuba e os EUA, ameaçados na sua segurança, prometeram defender-se com todos os meios, inclusivamente a guerra nuclear?”

Para o sociólogo, a resposta à pergunta sobre como e por que se chegou à crise atual está nos erros estratégicos dos EUA e da Otan, ao não observar que o fim da União Soviética não representaria necessariamente a criação de um mundo unipolar. “No momento em que terminava a primeira Guerra Fria, crescia a China, com o apoio entusiasta das empresas norte-americanas em busca de salários baixos. Assim germinava o novo rival dos EUA, e com isso a nova Guerra Fria em que estamos a entrar, aliás potencialmente mais séria que a anterior”, prevê Boaventura.

Os fatos, porém, não tornam a invasão da Ucrânia pela Rússia aceitável. “A invasão da Ucrânia é inaceitável. O que não se pode dizer é que não foi provocada. Mas a Rússia, como grande potência que é, não se devia deixar provocar. Será que a invasão da Ucrânia é mais uma demonstração de fraqueza do que de força? Os próximos tempos o dirão.” Leia íntegra de sua análise.


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