Sob a névoa

PSB tenta recomeçar depois de Campos e crise de identidade, sob as pressões de Marina

Partido tenta lidar com o baque de perder líder e a chance de voo mais alto enquanto evita se tornar mero hospedeiro da ex-senadora, que em dez dias implodiu acordos, impôs nomes e criou rusgas com aliados

Fernando Bizerra Jr./EFE

De cima para baixo: Beto Albuquerque tenta salvar alianças, enquanto Marina fala em não se relacionar com ‘velha política’

São Paulo – Dez dias depois da morte de Eduardo Campos, período marcado por incertezas sobre a composição da chapa, enfim definida com Marina Silva para presidente e Beto Albuquerque na vice, o PSB entra em uma nova semana tentando abafar as divergências que ficaram explicitadas após a morte do ex-governador de Pernambuco. Antes mesmo do anúncio oficial da chapa formada pela ex-ministra do Meio Ambiente e pelo deputado gaúcho já estavam claros os sinais de divergência entre aliados de Campos e o staff de Marina, alojado temporariamente no partido à espera de aval da Justiça Eleitoral para a criação da Rede Sustentabilidade.

Com uma bancada de 35 deputados, um tamanho médio, o PSB vinha crescendo eleição após eleição em número de parlamentares e governadores, e agora preparava seu voo maior com a candidatura de Campos. O imponderável, porém, trouxe para o primeiro plano uma política que provocou desagrado em alguns setores do partido desde que se ofereceu para entrar, em junho do ano passado, quando não conseguiu reunir o número necessário de assinaturas para criar a Rede. Dessa forma, de um momento a outro a sigla passou de postulante ao ingresso no rol dos grandes da política nacional a hospedeira de uma candidata forte à presidência que sairá tão logo acabem as eleições, qualquer que seja o resultado.

A negociação nada simples teve como um dos pontos centrais, negociados durante toda a semana, a garantia, exigida pelo grupo de Campos, de que Marina manterá os acordos nos estados, costurados pelo candidato morto em acidente aéreo no dia 13, em Santos. Marina, por outro lado, manteve sua condição de não subir em palanques como o de Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, candidato à reeleição, que tem como vice o pessebista Márcio França.

Nas estreias na TV e em atividades públicas, Marina reiterou o tom que tanto desagrada a alguns setores do PSB. Enquanto Campos era famoso pela personalidade agregadora e pela facilidade de negociar com conservadores e progressistas, sem distinção, a ex-senadora se diz integrante de uma linha de atuação que não dialoga com as velhas formas de fazer política, apelando diretamente à população. “Pode ter certeza que o PMDB de Pedro Simon não vai nos faltar. Tenho certeza que o PMDB de Jarbas (Vasconcelos) não vai nos faltar. Que o PDT de Cristovam (Buarque) não vai nos faltar. O PT de (Eduardo) Suplicy não vai nos faltar”, afirmou Marina durante comício ontem (23) em Recife.

As definições costuradas entre a quinta e a sexta-feira (22) buscaram acalmar os ânimos, pelo menos momentaneamente. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) foi anunciada na quinta à noite como coordenadora-geral, enquanto Márcio França cuidará das finanças da campanha.

O deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), muito próximo a Campos, reconhece que as negociações não foram fáceis. “Evidente que na executiva houve problemas, porque se avalia que o comitê financeiro não podia ficar com a Rede, porque ele é do PSB, e eu concordo, pois é uma coisa séria, que é mexer com dinheiro. Mas a gente sabe que a coordenação-geral poderia ser com a Rede, de Marina”, diz o parlamentar.

Erundina foi a alternativa encontrada pelo presidente do PSB, Roberto Amaral, para tentar pacificar a situação, acirrada depois que Marina tentou impor o ex-tucano Walter Feldman no cargo.

Se Erundina, na coordenação-geral, não é da Rede de Marina, a ex-prefeita de São Paulo, porém, aparentemente não desagrada nenhum dos lados. “É uma grande companheira, grande mulher, uma pessoa muito competente”, elogia o deputado pernambucano. Secretário Nacional de Trânsito no ministério do presidente Itamar Franco (1992-1994), Patriota foi colega de Erundina no governo do sucessor de Fernando Collor de Mello, no qual a deputada foi secretária da Administração Federal.

Para o deputado Alfredo Sirkis (RJ), representante da Rede no PSB, a nomeação de Erundina como coordenadora política “é uma coisa de natureza mais simbólica”. “Ela é muito respeitada e também querida tanto no PSB quanto no entorno da Marina. Foi uma escolha acertada para promover a concórdia”, avalia.

Sirkis prefere não entrar na discussão sobre o fato de Erundina ter afirmado, há dez meses, que a Rede “não aponta para o socialismo”. Na ocasião, em uma entrevista, a ex-prefeita declarou que Marina “é uma pessoa maravilhosa, mas entra no senso comum da sociedade, no sentido de negar a política”. Na entrevista, Erundina avaliava que essa é uma postura que “deseduca politicamente”.

“A Erundina é de uma posição de esquerda mais ortodoxa do que aquela que Marina defende, e no meu caso mais ainda. Mas há amizade e respeito que envolve a Erundina, o que é um facilitador”, despista Sirkis. Para ele, o carisma da deputada por São Paulo “facilita num momento em que as relações estão meio esgarçadas. Ela contribui para a concórdia, independentemente do posicionamento ideológico”.

Outro fator que a composição da chapa e a definição dos coordenadores de campanha procuraram resolver é a velha e complicada relação de Marina Silva com o agronegócio. O deputado Beto Albuquerque, o vice, é reconhecidamente próximo desse setor, e passou os últimos dias tentando evitar que integrantes do PMDB antes favoráveis a Campos deixassem a barca em direção a Aécio Neves ou Dilma Rousseff.

O agronegócio não gosta de Marina. “Mas vai gostar”, garante Gonzaga Patriota. “O agronegócio não gosta mesmo é de Dilma. E não vai ficar com Aécio porque já experimentou o PSDB. E com o cuidado da Erundina, com os socialistas e Beto Albuquerque, um grande nome, acho que o agronegócio vai fechar com Marina, obviamente que com compromissos.”

Para ele, a superação das divergências políticas e ideológicas entre Rede e PSB vai ser alcançada graças ao legado agregador e de hábil negociador de Eduardo Campos. “Eduardo foi candidato pelo PSB na sua primeira eleição em Pernambuco (2006) contra o DEM, contra todos, e agora, nessa candidatura (à presidência), Jarbas Vasconcellos (PMDB-PE) estava com ele, o ex-deputado Roberto Magalhães, o ex-governador Joaquim Francisco e Mendonça Filho, hoje deputado federal pelo DEM, que disputou com ele em 2006 (quando o atual deputado federal Mendonça Filho foi adversário de Eduardo Campos no segundo turno da eleição pelo governo de Pernambuco). Em política tem essas coisas e Eduardo nos ensinou isso. Marina vai ser presidente, e vai conversar”, aposta Patriota.

Tanto Patriota como Sirkis acreditam que a crise entre Marina e Carlos Siqueira, bate-bocas públicos e divergências político-ideológicas foram insufladas pelo abalo emocional, ainda presente, causado pela súbita e trágica perda do líder do partido. “Estamos há dez dias da tragédia, uma coisa extremamente chocante que criou uma onda emocional que ainda não baixou completamente. Esse problema do Carlos Siqueira, em parte, se deve a essa intensa situação, esse desgaste”, avalia Sirkis.

Na quinta-feira (21), Siqueira declarou à imprensa: “Não estou e não estarei em hipótese alguma na campanha desta senhora”, referindo-se a Marina.

“A morte de Eduardo foi uma comoção. Apesar de ser mais velho, eu me considerava seu filho, de tanta coisa boa que ele fez por mim. Carlos Siqueira estava, como eu ainda estou, muito chocado com a morte de Eduardo”, diz Patriota. “É como se, naquele momento (das declarações contra Marina), o que Siqueira quisesse era que Eduardo continuasse como candidato a presidente, só que Eduardo já estava enterrado. Foi mais emoção do que ação de um  secretário-geral do partido.”

As contradições do PSB, que está coligado com o PT no Rio de Janeiro e com o PSDB em São Paulo, por exemplo, vão ser resolvidas, na prática, pelo próprio andar do processo eleitoral, ainda imprevisível.

Já na terra de Eduardo Campos, a força agregadora do ex-governador não deixa margem a dúvidas: a impressionante coligação fechada para a disputa do governo estadual reúne partidos tão fortes quanto díspares, 21 no total, entre os quais PMDB, PCdoB, PSD, PP, Pros, PSDB e DEM. O candidato é Paulo Câmara (PSB).

Para Sirkis, a única forma de administrar as divisões de que São Paulo e Rio de Janeiro são emblemáticas é usar de uma estratégia pouco convencional na política tradicional: “Temos que passar por cima da questão dos palanques. É não se relacionar com os palanques de governador e trabalhar diretamente com a sociedade, com as candidaturas a deputados federal e estadual nesses estados”, defende o deputado do Rio, encampando o discurso defendido por Marina. “É a famosa questão: o que não tem solução, solucionado está.”