Sem critério

No Rio, bagunça nas alianças partidárias atrapalha tomada de decisão do eleitor

Nunca foi tão difícil descobrir quais são as alianças de fato dos partidos no Rio de Janeiro, onde as negociações secretas e as relações pessoais atropelaram os acordos políticos

Tasso Marcelo/Fotos Públicas

Romário faz campanha com Lindberg, do PT, mas no plano federal tem de apoiar Marina

Rio de Janeiro Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo que amava Juca que amava Dora… Não há como não se lembrar da canção de Chico Buarque – ou do poema de Carlos Drummond de Andrade que o inspirou quando se observa as alianças, formais e informais, feitas para as eleições deste ano no Rio de Janeiro. A começar pela montagem dos palanques presidenciais e chegando à formação das chapas majoritárias para o governo estadual e o Senado, o que se vê no Rio é um cenário político movediço onde nem tudo é o que parece. Mesmo que o termo “bacanal eleitoral” cunhado pelo prefeito carioca Eduardo Paes (PMDB) possa soar exagerado, esta é, com certeza, desde a redemocratização, a eleição com mais acordos insólitos, fogo amigo e viradas de casaca em terras fluminenses.

O exemplo mais notável das idas e vindas destas eleições no Rio é o movimento autointitulado “Aezão”, deflagrado por lideranças do PMDB no estado para unir as campanhas do presidenciável tucano Aécio Neves e do governador Luiz Fernando Pezão, candidato à reeleição. Apesar do declarado apoio de Pezão à presidenta Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT, o movimento foi organizado pelo presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, com a maldisfarçada bênção do ex-governador Sérgio Cabral. Foi em uma reunião na casa de Cabral que Aécio convenceu o aliado Cesar Maia (DEM), até então candidato ao governo do Rio, a desistir da candidatura e apoiar Pezão. Em troca, o ex-prefeito do Rio teve assegurada sua indicação como candidato ao Senado na chapa de Pezão.

Ao avalizar esse acordo, Cabral renunciou ao direito de concorrer ele próprio ao Senado, como inicialmente previsto, deu as mãos a um desafeto histórico na política regional e, principalmente, fez nascer na prática o movimento “Aezão”. No início, tudo parecia muito forte, e Picciani reuniu em um almoço em torno de Aécio mil e seiscentas pessoas, entre elas 60 prefeitos de municípios fluminenses. No entanto, a reviravolta no cenário eleitoral federal, com a entrada de Marina Silva (PSB) na disputa presidencial, arrefeceu o ímpeto do movimento tucano-peemedebista. Ao ver as intenções de voto em Aécio no estado minguarem pesquisa após pesquisa, muitos prefeitos e lideranças políticas do PMDB estão optando por voltar ao apoio inicial à Dilma.

Esvaziado o “Aezão”, já está sendo preparado para 15 de setembro um ato onde prefeitos do PMDB, muitos deles oriundos do fracassado movimento, manifestarão apoio a Dilma. O ato está sendo articulado por Eduardo Paes, que em nenhum momento havia aceito o “acordo branco” feito entre Cabral e Cesar, de quem o atual prefeito do Rio foi afilhado político, mas é hoje adversário irreconciliável. Sem apresentar aparentemente qualquer vestígio de constrangimento, a volta dos ex-futuros-aecistas aos braços de Dilma é facilitada pela falta de pontes construídas entre o PMDB fluminense e Marina Silva.

Concretamente, contribuiu para o esvaziamento do “Aezão” o fato de o PSDB nacional, após o declínio de Aécio nas pesquisas, ter parado de custear parte do material de campanha de diversos candidatos a deputado do PMDB no Rio, como até então vinha fazendo. Agora, a estratégia do tucano no estado passa a ser outra. Sem muito o que fazer na capital, onde Marina lidera as pesquisas seguida por Dilma, Aécio já anunciou que nas próximas semanas irá priorizar as atividades de campanha nos municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, que são, respectivamente, o segundo, terceiro e quarto colégios eleitorais do Rio.

Palanque quádruplo

Apesar do flagrante adultério do PMDB do Rio com Aécio Neves, foi com Pezão que Dilma realizou seu primeiro ato oficial de campanha, no dia 24 de julho. Desde então, a presidenta vive no estado uma situação curiosa. Os quatro primeiros colocados nas pesquisas pertencem a sua base de apoio, mas isso tem trazido mais dificuldades do que vantagens, já que as candidaturas ao governo estadual abrigam grupos políticos antagônicos. O senador Lindberg Farias, candidato do PT a governador, por exemplo, até o momento não teve a companhia de Dilma em nenhum ato de campanha, o que tem suscitado muitas queixas entre os dirigentes petistas fluminenses.

Outro que também ainda não fez campanha ao lado de Dilma é o senador Marcelo Crivella (PRB). Já Anthony Garotinho (PR) esteve com a presidenta em uma concorrida visita a um restaurante popular construído pelo ex-governador na zona oeste do Rio. Considerado pela direção nacional do PT como o aliado mais problemático das eleições no Rio, Garotinho, que durante a Copa do Mundo chegou a negociar uma aliança com o então candidato Eduardo Campos (PSB), não esconde que seu objetivo maior é garantir a neutralidade de Dilma em um eventual segundo turno: “Se a Dilma votasse no Rio, tenho certeza de que votaria em mim. Ela é minha amiga, nós militamos juntos muito tempo no PDT”, diz Garotinho.

Já Lindberg teve que ouvir de um jornalista, durante o último debate, pergunta sobre suposta animosidade entre ele e a presidenta. O candidato do PT negou e garantiu que Dilma estará ao seu lado no “momento certo”. Por enquanto, somente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece na propagada eleitoral de tevê do petista. Presidente regional do PT, o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, minimiza a ausência de Dilma e aponta o apoio exclusivo de Lula – que só fará campanha para Lindbergh no primeiro turno – como decisivo para o ansiado crescimento do petista nas intenções de voto: “O Lula é quem mais influencia o voto popular, por isso seu apoio é prioritário. Todas as campanhas querem o Lula, mas ele apoia Lindberg”, diz.

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Garotinho, que fez campanha ao lado de Dilma, não esconde que espera neutralidade no segundo turno

Marina e Romário

Nos bastidores, comenta-se que a suposta “frieza” entre Dilma e Lindberg surgiu depois que o candidato ao governo estadual aceitou o apoio do PSB, em acordo costurado com Eduardo Campos. Embora Lindberg tenha por diversas vezes reiterado seu apoio à reeleição de Dilma, esta teria visto no acordo com Campos uma movimentação dúbia do senador. Esse possível mal-estar não diminuiu com a entrada em cena de Marina, uma vez que a maioria dos integrantes da Rede no Rio já apoiava Lindbergh. A recusa de Marina em subir em palanques petistas e tucanos distendeu o nó político, mas a verdade é que os petistas fluminenses aguardam ansiosos o primeiro ato público conjunto de Dilma e Lindberg.

Um evidente incômodo para a presidenta é o deputado federal Romário, candidato ao Senado pelo PSB e que, fiel ao seu estilo, não cessa de criticar o governo Dilma. O problema é que a popularidade do ex-jogador, que lidera as pesquisas de intenção de voto, foi talvez o maior atrativo enxergado por Lindberg ao fechar aliança com os socialistas. Com a ajuda de Lula, Lindberg teria obtido de Romário ao menos a promessa de “silêncio e boa convivência” com Dilma durante a campanha. Mas, o deputado já avisou que fará atos políticos “avulsos” na companhia de Marina.

Enfim, o certo, ao que parece, é que Marina apoia Romário que apoia Lindberg que apoia Dilma que apoia Pezão que apoia Aécio que apoia Cesar… É esse o cenário das eleições deste ano no Rio de Janeiro. Para poeta nenhum botar defeito.

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Pezão, sucessor de Cabral, esperava dobradinha com Aécio, mas planos já mudaram