Plano de bônus da USP é muito pouco, avaliam movimentos negros
Para entidades que lutam por cotas raciais na universidade, reitoria tenta barrar qualquer avanço no maior acesso de negros à universidade, e bônus não trará mudança significativa
Publicado 03/07/2013 - 15h38
São Paulo – Movimentos negros reprovam a decisão tomada ontem, pelo Conselho Universitário da USP, de criar um bônus que pode elevar a nota em até 5% – a depender do resultado obtido na prova – dos vestibulandos que se declararem pretos, pardos ou indígenas e tenham cursado integralmente o ensino básico em escolas públicas. As entidades que atuam pela criação de cotas raciais avaliam o plano de bônus como um “cala-boca” vindo da reitoria da universidade, além de declararem que a proposta não atende às reivindicações históricas do movimento negro.
“Este plano foi a forma que universidade encontrou de impedir um avanço, que seria a política de cotas mais efetiva. É uma grande enganação, uma peça de propaganda para dizer que a USP tem alguma política de acesso para negros”, afirma Douglas Belchior, conselheiro da Uneafro e membro da Frente Pró-Cotas do estado de São Paulo.
Ele afirma que, apesar de ser a primeira vez que a universidade adota um programa que tenha corte racial, e não apenas social, a ampliação da política de bônus, que funciona desde 2006 por meio do Inclusp, é insuficiente, e não irá alterar o número de negros na USP. “O bônus não garante em nada a entrada de estudantes de escola pública e negros na universidade. A grande prova disso é a própria história do Inclusp, que nestes anos todos promove bonificação, mas não conseguiu incidir de maneira significativa na presença de pobres e negros na universidade. A participação negra é ínfima.”
A presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Vic Barros, afirma que a entidade reprova o plano de bônus, que não promove real inclusão na universidade. “A UNE sempre defendeu cotas raciais com recorte racial, e não é isso o que o governo do Estado tem feito, com o Pimesp (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público).”
O projeto de bônus substituirá a proposta de criação do Pimesp, do governo estadual, que previa que os alunos negros e egressos de escola pública fossem aprovados em um curso preparatório semipresencial antes de iniciarem a graduação.
A proposta aprovada ontem garante o aumento de 8% para 12% a bonificação na nota dos alunos que tenham cursado o ensino médio em escola pública e elevou de 8% para 15% a bonificação dos candidatos que fizeram o ensino fundamental e integralmente o ensino médio na rede pública. Além disso, aumentou de 15% para 20% o bônus para o aluno que cursou integralmente o ensino fundamental na rede pública e o segundo e terceiro anos do ensino médio em escolas públicas.
Assim, o aluno preto, pardo ou indígena que tiver cursado integralmente o ensino fundamental na rede pública e o segundo e terceiro anos do ensino médio em escolas públicas pode chegar a ter até 25% de sua nota do vestibular aumentada pelos bônus recebidos. “Apesar de parecer avanço, pela questão específica racial, o bônus está muito aquém daquilo que os movimentos reivindicam historicamente”, comenta Belchior.
Outra falha apontada pelos movimentos é a porcentagem de 5% de bônus para a população preta, parda e indígena, e quais as medidas que serão tomadas para que a meta apresentada pelo Conselho Universitário se cumpra. Segundo o reitor da USP, João Grandino Rodas, até 2018, 50% das vagas dos cursos da universidades serão preenchidas por alunos oriundos de escolas públicas.
“Vamos pedir, baseados na Lei de Acesso à Informação, um documento que forneça dados oficias no qual a reitoria se baseou para se chegar a essa porcentagem de 5%”, diz Frei David Santos, coordenador da Educafro. Belchior reforça que este número é pouco, e não responde às demandas do movimento.
“Não tem critério para esses 5%, qual é o critério? Não foi dito nem em como esse percentual vai aumentar para que em 2018 se chegue na meta proposta. Nada é especificado. Se houvesse realmente vontade política por parte da universidade de fazer inclusão racial e social, seria feita, assim como dezenas de universidades fizerem pelo país nos último dez anos.”
Portas fechadas
Frei David, da Educafro, afirma que o sentimento entre as entidades é de humilhação. “Nos sentimos humilhados, a USP está humilhando todo o movimento social. E essa humilhação não pode continuar assim, estamos preocupados.”
Belchior ressalta que a gestão do reitor João Grandino Rodas, que assumiu o cargo em 2010, tem caráter pouco democrático e é costume que as reuniões e decisões sejam feitas a portas fechadas, sem a participação dos movimentos sociais. “O reitor só realiza reuniões de portas fechadas, é uma reitoria extremamente truculenta.”
Em entrevista à Rádio CBN, Rodas disse hoje (3) que “justamente os grupos que mais pedem as cotas votam contra ela”, respondendo às críticas que vem sofrendo desde o anúncio de ontem. Para o reitor, é necessário que se reconheça “a grande conquista da universidade, ao reconhecer a necessidade de abertura”. Porém, ele reiterou que é fundamental que a inclusão seja feita com mérito, lógica e consciência.
“É necessário que a inclusão seja feita com algum mérito, a universidade vive do mérito. Não vamos querer que aconteça o que a gente vê que aconteceu com o ensino fundamental e médio no Brasil inteiro, todos estão na escola, mas ela não existe, porque é pífia. A inclusão deve ter lógica e consciência.
Para Belchior, o discurso de Rodas busca desacreditar o movimento negro. “A fala dele é uma tentativa de jogar a opinião pública contra o movimento quando ele diz que o próprio movimento são contra esses avanços de 5%.”
Política de Estado
O Grupo de Trabalho Pró-Cotas da Assembleia Legislativa de São Paulo, composto por representantes da sociedade civil, do movimento negro, sindical e estudantil, está formulando um texto substitutivo ao Projeto de Lei de Cotas 530/04, que estabelece reserva de 50% das vagas para cotas raciais e sociais.
O grupo está colhendo assinaturas de diversas organizações, movimentos, sindicatos, partidos e associações. São necessárias 300 mil assinaturas para que o projeto seja enviado à Alesp. A ideia é recolher 300 mil assinaturas. O projeto estabelece a reserva de vagas de 55% para alunos cotistas, sendo 25% delas destinadas a alunos de escolas públicas, 25% para pretos, pardos e indígenas, e 5% para portadores de necessidades especiais.
“Vamos iniciar uma campanha pela iniciativa popular. Defendemos uma política de Estado, já que universidade não usa de sua autonomia universitária para promover a inclusão”, finalizou Belchior.