Superação de equipe leva escola de Suzano à lista de melhores de SP

Em dois anos, a escola estadual Professora Jussara Feitosa Domschke deixou os últimos lugares do ranking de escolas do estado para os primeiros lugares. Como chegar lá? Presença, participação e comprometimento sugere a direção

Jussara: da lista das piores para as melhores escolas (Foto: divulgação)

São Paulo – Em 2008, a Escola Estadual Professora Jussara Feitosa Domschke, sediada em Suzano, município a 34 quilômetros da capital paulista, foi notícia pelo péssimo desempenho de seus alunos no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do estado de São Paulo (Saresp). De 5.207 instituições avaliadas ao longo de 2007, a unidade ficou entre as três piores do estado. A instituição também ficou na lista das piores quartas séries no Índice de Desenvolvimento da Educação do estado de São Paulo (Idesp).

Um ano depois, em 2009, a escola voltou ao noticiário, mas desta vez no ranking das três melhores escolas do estado de São Paulo. A escola teve melhora superior a 100% durante todo o ano de 2008, quando foi novamente avaliada pela Secretaria Estadual de Educação. “Estávamos entre as piores posições nas referências internas e externas”, lamenta o diretor José Jair Nogueira. Mas a história se inverteu.

O motivo do mau desempenho não é difícil descobrir: a escola estava pichada, depredada e desacreditada pela comunidade e pelos próprios professores. “Em uma semana, três salas deixaram de funcionar, porque as pessoas tinham medo”, conta o diretor. “Os que iam embora, iam por medo, os que ficavam era porque não tinham condições financeiras de ir embora”, narra o responsável pela escola.

Depredação

Na época, de 32 professores efetivos, 30 pediram remoção e a violência fazia parte do dia a dia escolar. “Os professores eram agredidos, os alunos apanhavam. Pessoas entravam armadas aqui dentro, levavam a merenda e equipamentos da escola, durante o dia mesmo”, diz o administrador.

Jair Nogueira menciona até um episódio que simboliza a situação limite que a unidade vivia. O corpo de uma vítima de assassinato na região foi deixada dentro da escola.

Transformação

A virada educacional, diz o professor Jair – como é conhecido por docentes e alunos –, é resultado de uma reunião de presença, participação e comprometimento da escola com os alunos, professores e comunidade. Ele assumiu a gestão da escola em janeiro de 2007 e sua primeira ação foi aproximar a instituição da comunidade e dos professores “para garantir a eles pelo menos a dignidade”, cita.

>> Perfil

O diretor José Jair Nogueira está sempre correndo pela Escola Estadual Professora Jussara Feitosa Domschke para acompanhar todas as atividades de perto. Com experiência gerencial em indústria química, Jair é formado em Química, Matemática e Pedagogia. Sobre seu jeito de administrar, ele reconhece que é exigente e enérgico, sem perder o enfoque no ser humano. “Tenho esse rosto fechado, mas estou sempre pronto a ouvir e dar atenção às necessidades humanas”.

>> Desafios

Como nem tudo são rosas, Nogueira conta que é complexo lidar com o novo papel das famílias. Ao mesmo tempo em que as crianças da nova geração são mais ativas e imperativas, algumas famílias não se responsabilizam pela educação formal e informal dos filhos. “Vemos crianças com roupinha suja, sem material”, observa.

Outra dificuldade, cita, é a sensação de impunidade. “O pai diz: vou pegar seu celular… e a criança responde: quem é que vai pegar de mim?”, retrata Nogueira.

>> Esperança

Em meio às dificuldades, ele não deixa de acreditar: “o principal é o comprometimento com a educação, sem ele nada acontece”, afirma.

Na primeira semana de aula, Nogueira convidou a comunidade para ir à escola. “Conheci todos os alunos e toda a comunidade se fez presente. Fomos conhecer a necesssidade dela, por que eles vinham e iam embora da escola”, destaca. 

“Só faltou colocar uma faixa, ‘sob nova direção'”, brinca. A partir daí, a escola passou a funcionar com regras e sistemas de normas de convivência, devidamente acordadas com pais, professores, alunos e comunidade. O diálogo chegava a associar despesas com manutenção e restauração de paredes e estrutura depedrada com a restrição de novos investimentos que isso representava. “Mil reais gastos com tinta para pintar a escola pichada poderiam ser revertidos para melhorar as salas, comprar uma TV, mesa de pingue-pongue, livros”, exemplifica.

Com esses “acordos”, o passo seguinte foi cuidar das deficiências físicas da escola, ou seja, organizar e reconstruir. Em três anos, o quadro de professores subiu de dois para 64 e o de alunos de 510 para 1.150 em 2010. “A escola não lembra em nada a situação de 2007. É muito bom vê-la cumprindo seu objetivo de educar”, descreve a professora de Biologia, Andreia Boeira.

Presença ativa

Para Nogueira, presença constante é essencial, mas não o bastante. É preciso uma participação especial que ele chama de presença ativa. “Tem aquela pessoa que está presente mas não se manifesta. É essencial ter uma presença física e espiritual, porque mesmo que não se esteja ali, é como se estivesse”, filosofa.

A direção visita igrejas na região, participa de reuniões no conselho comunitário e firmou parcerias importantes para o desenvolvimento extraclasse dos alunos. Empresas e ONGs são parceiras da escola em palestras, cursos e atividades sociais.

escola renovada

Apesar da violência no entorno, desde a aproximação com a comunidade, a escola nunca mais sofreu roubos ou outros tipos de violência.

Em 2010, as crianças ganharam mais motivação com a inclusão da escola no projeto “A música venceu”, da Fundação Bachiana Filarmônica, dirigida pelo maestro João Carlos Martins.

Músicos da fundação ministram aulas de flauta e violino às quartas-feiras. As crianças recebem os instrumentos para usar durante o período de aulas e ainda levam para casa. “O aluno fica mais disciplinado e assume mais responsabilidade”, salienta Nogueira. Mesmo quem não estuda tanto também valoriza o projeto. “Há uma mudança geral de atitude”, comemora.

Alunos com problemas de alfabetização recebem atenção especial em salas de recuperação. “Preparei materiais especialmente para atender as crianças e melhorar a capacidade de leitura, escrita e compreensão”, descreve a professora de Língua Portuguesa Suzi Laura.

Sala de leitura e de informática, mesa de jogos, jornais, revistas e música no pátio foram conquistadas. Festas e atividades culturais fazem parte do cotidiano da escola que atualmente é toda colorida, tem as janelas acortinadas, merenda aprovada pelos alunos e muros baixos – muito diferente do que havia em 2007.

 

Futura música

É quarta-feira. Jéssica, de 11 anos, está na quinta série e chegou mais cedo para a aula de flauta. Mas, ainda falta uma hora para começar as aulas do projeto “A música venceu” e ela anda de um lado para o outro, elétrica. 

A mochila cor-de-rosa está lotada e o zíper nem funciona mais como deveria. Como a maioria das meninas, ela usa uma blusa rosa. Também está de calça jeans, tênis branco e saculeja o cabelinho crespo preso no alto da cabeça.

Intrigada e inquieta com gente diferente na área, ela para por um momento, deixa a mochila no banco e finalmente pergunta: “Você trabalha na escola mesmo?”. Depois do “não” como resposta, ela começa uma série de revelações sorridentes.

Ela conta que não gosta de fração, não vai bem em matemática nem em artes. Mas avisa que o professor é bom. “Eu gosto dele”. Mesmo sem perguntas, ela segue explicando: “Eu gosto das notas musicais: o dó, o ré, o sol…”.

“Eu acho essa escola mais legal que todas”, diz, mesmo admitindo que não conhece outras. “É que aqui dentro eu me sinto feliz. Gosto dos professores, (da) de Ciências, de História…”.

Com uma possível amizade instalada, ela conta que é cuidada pela tia para os pais trabalharem. Mostra seu chaveiro de tartaruga e diz “é azul”. Deve ser porque as tartarugas tem um tom mais esverdeado.

Num papo bem escolar, ela diz que vai ser música ou médica. “Um dos dois”.

A conversa ia bem, mas uma professora passou e a convidou para ir à sala de leitura aproveitar o tempo disponível para ler. “Enquanto fica aí sem nada é melhor ler”, convida.

Lá se vai Jéssica, animada com suas notas musicais. Logo ela descobrirá que música e matemática têm muito em comum.