‘Avaliação externa foi a pior política de Paulo Renato no MEC’, diz pesquisador

Especialista em financiamento de educação da USP defende que avaliações e política de bônus premiam quem já atua bem e desestimula quem precisa melhorar

São Paulo – Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Barbosa de Camargo, a criação de uma política de avaliação externa foi a pior política educacional estabelecida pelo ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza ao longo de oito anos no cargo. Paulo Renato dirigiu o MEC durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002.

“Avaliação faz parte do processo pedagógico e ela não foi criada pelo Paulo Renato. Mas uma avaliação externa, que interfere no conteúdo, na forma como a escola trabalha, isso sim foi criado (por ele)”, destaca. Segundo o professor da USP, por conta de uma série de programas de avaliação durante a gestão Paulo Renato, instalou-se uma cultura de avaliação da educação do país que persiste até hoje.

Paulo Renato foi responsável pela criação de exames como o Provão (o sistema de avaliação do Ensino Superior no Brasil), do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb).

O problema do tipo de avaliação implantada pelo tucano, em nível nacional, é buscar um culpado para os problemas da educação, em geral professores ou alunos. Segundo o professor, os resultados destas provas nunca apontam para as deficiências governamentais.

“Antes, a culpa era dos alunos e de suas famílias desestruturadas. E continua sendo uma boa parte das respostas aos problemas educacionais. Mas agora achou-se um sujeito para culpar, que é o professor. ‘Esse cara que é o culpado’”, aponta o pesquisador. 

As avaliações externas também abriram caminho para a implantação da política de bônus e análise de mérito, em várias cidades brasileiras, inclusive em todo estado de São Paulo.

Na avaliação de Camargo, esse tipo de política aposta na competitividade, na disputa entre professores para melhorar a educação. Além de premiar professores e escolas que já têm um bom desempenho e desestimular quem tem dificuldades.

“A ideia geral é da competitividade. Mas acontece que onde se tem professor com mais idade, mais experiência, mais qualidade de formação, você vai dar mais recursos para essas (escolas). Enquanto quem tem mais dificuldade não vai ter”, condena.

“Em vez de melhorar a qualidade para todos, você, ao contrário, distancia cada vez mais aquela (escola) que já tinha qualidade melhor daquela com qualidade menos adequada”, atesta o especialista em financiamento da educação.

“É uma visão taylorista (baseada na eficácia com fins lucrativos) da educação. No meu modo de ver quando se faz política pública ou você pensa em todos, ou não tem jeito”, ilustra Camargo.

Na mesma linha, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, avalia que o modelo de avaliação do MEC, na gestão tucana, foi movido por princípios neoliberais. “O modelo de avaliação foi colocado dentro dos princípios neoliberais da disputa pela disputa, ensandecida, que não tem o ser humano como centro”, alerta.

Alternativas

Em lugar de avaliar professores, alunos e escolas por meio de instrumentos externos e buscar culpados para os problemas educacionais, Camargo propõe investimentos concretos em formação e salário para os professores, boas instalações escolares como bibliotecas e laboratórios. “Elementos que do ponto de vista físico fazem diferença”, cita o especialista. 

“Não dá para fazer avaliação externa sem ter oferecido lugar para as crianças, jovens e adultos. Além de melhorar salário e formação dos professores. Não dá para cobrar sem dar condições objetivas para fazer essa cobrança”, denuncia.

Os próprios professores, diz o pesquisador, também tornaram-se vítimas do sistema de ensino. Sem qualidade nas escolas públicas e cursando ensino superior privado “que também não preza muito pela qualidade”, os professores se formam com qualificação ruim. “Os professores também são vítimas e repassam a educação ruim que receberam. Esse é o círculo vicioso que foi criado”, descreve Camargo.

De acordo com o presidente da CNTE, a gestão do ex-ministro da Educação foi marcada pela “formação aligeirada dos professores”. O dirigente sindical considera muito simbólica a entrevista da ex-secretária de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães, à revista Veja, em que ela afirma que gostaria de fechar o Departamento de Educação da USP e da Unicamp, porque se dedicavam a ensinar coisas desnecessárias aos professores. 

Leão descreve que a visão da ex-secretária é a mesma de Paulo Renato, de que o professor precisa de ensino técnico e deve estar preparado para transmitir conhecimento, sem precisar de filosofia, sociologia, história da educação. “É um absurdo você pensar que um professor não deva conhecer essas áreas e seja simplesmente um transmissor de conhecimento e muito mal formado nessa linha”, dispara. “Isso é uma educação que limita a pessoa”, considera.

“Não tenho dúvida de que o Paulo Renato no Ministério seria o retorno desse tipo de ideia sobre formação de professores”, indica Leão.