Entrevista

‘Atacar universidades é atacar toda a sociedade’, diz Iago Montalvão, novo presidente da UNE

"Não queremos mais uma UNE clandestina, estudantes impedidos de se organizar, serem torturados e assassinados", afirma o goiano

Karla Boughoff/Cuca da UNE
Karla Boughoff/Cuca da UNE
Com ameaça de repressão, governo deixa as pessoas ainda mais indignadas, diz Iago

São Paulo – O 57º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) elegeu, em 14 de julho, sua nova diretoria: o estudante de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Iago Montalvão foi eleito presidente. Ele assume hoje a UNE em um momento dramático da história brasileira, em que as universidades, berço das civilizações democráticas, estão sob ataque direto do governo Bolsonaro.

Iago assume a liderança da organização estudantil após uma hegemonia feminina. A UNE foi presidida nas últimas três gestões por mulheres: Virgínia Barros (2013–2015), Carina Vitral (2015–2017) e Marianna Dias (2017–2019).  A nova diretoria toma posse na noite desta sexta-feira (9), na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP.

Para ele, a missão que tem pela frente é um grande desafio, seja pela conjuntura dramática do país, seja pelo fato de os estudantes serem hoje protagonistas da luta pela democracia e, particularmente, pela própria educação, com mobilizações que têm sido as mais amplas desde a ascensão do representante da extrema-direita ao Palácio do Planalto.

Nascido e criado em Goiânia, Iago sempre estudou em escola pública, tem 26 anos e discurso articulado. “Qualquer projeto sério de desenvolvimento para o país precisa ter a universidade, o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa no seu centro. Hoje, quem desenvolve pesquisa e tecnologia no nosso país são as universidades púbicas”, diz. “Atacar as universidades federais é atacar o desenvolvimento do país, é atacar a retomada do crescimento e a perspectiva de futuro que a gente tem.”

O dirigente comenta a tentativa do governo Bolsonaro de tentar intimidar os estudantes, que programam manifestações em todo o país para a próxima terça-feira (13). O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, publicou nesta quinta-feira (8) a Portaria 686, autorizando a atuação da Força Nacional contra os protestos estudantis.

Você assume a UNE num momento de ataque à educação. Como encara o desafio de estar à frente da entidade em uma conjuntura tão dramática?

É isso, exatamente um grande desafio. Não só é um momento de dificuldade da conjuntura do país, mas também um momento em que os estudantes têm tido um protagonismo muito grande na luta. Têm sido uma referência para a sociedade, até uma esperança mesmo. Acredito que nosso principal papel hoje é conseguir manter as mobilizações firmes, o diálogo amplo com os estudantes, estimular para que se organizem cada vez mais, se conscientizem das questões políticas que o país vive. Acho que temos papel fundamental no enfrentamento.

O que acha da portaria do ministro da Justiça autorizando a atuação da Força Nacional contra os protestos de estudantes marcados para a próxima terça-feira?

Causa grande preocupação, mas não é a primeira vez que o governo faz isso. Já tinham feito em outros momentos, como na luta contra a reforma da Previdência também, o que demonstra autoritarismo do governo, mas também um certo medo de que os movimentos sociais possam causar uma pressão que impeça que eles fiquem à vontade para fazer as maldades que querem fazer.

Ao mesmo tempo, eles tentam desestimular as pessoas que vão às ruas, porque quando adotam uma medida como essa eles amedrontam, desestimulam as pessoas. Mas temos visto que a reação das pessoas é pelo contrário, têm ficado ainda mais indignadas, porque uma pauta que tem deixado as pessoas muito preocupadas é a democracia. Quando fazem isso, essa portaria, deixam as pessoas ainda mais indignadas com os ataques à democracia, e vai fazer com que mais gente participe. Mas nós vamos procurar também ações jurídicas, ver se há possibilidade de contestar esse tipo de medida.

Como você, como vê, avalia toda a situação de ataque às universidades, tanto financeiramente como com perseguições políticas a professores e outras coisas, considerando que a universidade é o berço da democracia em qualquer país decente?

Exatamente. Como a gente tem dito, qualquer projeto sério de desenvolvimento para o país precisa ter a universidade, o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa no seu centro. E hoje quem desenvolve pesquisa e tecnologia no nosso país são as universidades públicas. Atacar as universidades federais é atacar o desenvolvimento do país, é atacar a retomada do crescimento e a perspectiva de futuro que a gente tem. Para além da própria educação dos estudantes, de quem está na universidade, esse é um ataque à sociedade como um todo. Acho que é por isso que a sociedade está tão atenta a isso, e não só quem está na universidade.

Talvez por isso as manifestações dos estudantes tenham conseguido tanta adesão?

Isso, e também porque a educação é uma pauta sensível. Quando você fala de educação, está falando do filho do trabalhador, que estava planejando entrar na universidade, ou que teve uma bolsa cortada, ou que teve uma perspectiva frustrada. Isso sensibiliza muito a população. E é o futuro do nosso país, então as pessoas acabam se solidarizando, se preocupando com o futuro diante desses cortes e desses ataques.

Fale um pouco da sua trajetória até assumir a UNE.

Eu sou de Goiânia, nasci e fui criado lá, estudei na UFG (Universidade Federal de Goiás), fiz História e depois, quando tive oportunidade pelas cotas, pelo Sisu, que é um programa conquistado pela luta dos estudantes também, pude ingressar em Economia na USP. Eu estudei em escola pública minha vida toda. Na UFG é que eu comecei minha militância no DCE, e continuei na UNE depois que passei na USP. Era diretor da UNE e agora estou aí para assumir essa missão.

Como você vê, em perspectiva histórica, o passado, a luta estudantil em épocas de repressão?

A gente vê com muita inspiração os estudantes que resistiram. Mas para nós é fundamental não deixar que aquele momento volte. Por isso a gente entende que a democracia é tão fundamental. Porque nós não queremos mais uma União Nacional dos Estudantes clandestina, estudantes impedidos de se organizar, serem torturados, assassinados. Por mais que essa luta nos inspire muito, a nossa luta hoje é pra não deixar que isso aconteça de novo.

E como encara o fato de assumir a UNE depois das gestões sucessivas de três mulheres?

É uma responsabilidade. Foram gestões muito importantes de presidentas que marcaram muito a história da UNE. A mulher na sociedade tem muitos percalços pelo caminho. Mas nós temos projetos em comum, o projeto da educação, de soberania e desenvolvimento do país. O projeto e as ideias que nos movem são comuns. Então a gente vai ter trabalhos também comuns e lutas cotidianas sempre juntos.