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Adusp denuncia descontos de R$ 2 bilhões no repasse às universidades paulistas

Para Associação de Docentes da USP, os problemas financeiros podem ser resolvidos com aumento de repasse do governo estadual às universidades, e não com arrocho salarial

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress

No primeiro dia de greve, estudantes, professores e funcionários foram a audiência na Assembleia Legislativa

São Paulo – O governo de São Paulo deixou de repassar cerca de R$ 2 bilhões para as universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) entre 2008 e 2013, segundo denunciou hoje (27) a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), em audiência pública na Assembleia Legislativa do estado. Segundo a entidade, o governo desconta da arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os valores destinados aos programas habitacionais e à devolução de impostos da Nota Fiscal Paulista antes de definir o repasse das universidades.

O ICMS é o tributo principal de arrecadação do estado de São Paulo. Esse imposto é utilizado como parâmetro para o repasse às universidades, que têm a maior parte de sua estrutura financeira pautada nessa arrecadação. Por mês, o governo de São Paulo deve repassar 9,57% do montante de ICMS arrecadado para as três universidades.

“A manobra se dá por descontos que o governo estadual realiza antes de definir os valores a serem repassados. Com isso, o volume total do ICMS cai, reduzindo o valor que as instituições recebem”, explicou o professor Francisco Miraglia, membro da Adusp.

Segundo o cálculo de Miraglia, são descontados os valores do ICMS referentes a programas de habitação e à devolução da Nota Fiscal Paulista. O primeiro reduziu em R$ 1,05 bilhão o montante do tributo, e o segundo, em R$ 1,03 bilhão, somente em 2013.

Além disso, não são contados como arrecadação, para fins do repasse, as multas e juros de moratória do ICMS – R$ 2,8 milhões –; as multas e juros de moratória da Dívida Ativa do ICMS – R$ 116,5 milhões –; as multas por autos de infração – R$ 68,2 milhões –, a receita da Dívida Ativa do ICMS – R$ 31,7 milhões, e as outras receitas, que não têm definição clara, mas se relacionam ao tributo – R$ 228,8 milhões.

Somando os valores, os docentes chegaram ao valor de R$ 5,64 bilhões a menos na conta que definiu o repasse. Retirando desse valor os 9,57% que seria destinado às universidades, os docentes chegaram à cifra de R$ 540 milhões “sonegados” em 2013. E, ponderando as arrecadações de ICMS dos anos anteriores, estimaram o valor de R$ 2 bilhões não repassados entre 2008 e 2013.

“Multas e juros não são repassados na arrecadação. Esse valores não fazem parte do ICMS? Por que não recebemos esses valores?”, questionou Miraglia, acrescentando: “É urgente corrigir a legislação a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano para que sejam repassados os valores sobre o total da arrecadação de ICMS, além de aumentar o percentual para 11,6%”, defendeu.

Este aumento do repasse é urgente, segundo Miraglia, pois toda a expansão universitária dos últimos anos foi realizada sobre os 9,57% de repasse. “Cresceu o número de cursos e, consequentemente, o de estudantes na graduação, no mestrado e no doutorado. Também se ampliou a estrutura. Mas não se aumenta o repasse”, afirmou.

As contas foram feitas utilizando-se uma ferramenta para visualizar a arrecadação no site da Secretaria Estadual da Fazenda. Assim, os docentes conseguiram realizar cálculos para encontrar o valor que faltava ao repasse mensal em relação à arrecadação total do ICMS.

A tarefa é complexa, e por isso estimada, já que a pasta mantém pelo menos três formas de apresentar a arrecadação de ICMS, cada uma com um valor diferente. A justificativa da Fazenda estadual é que cada uma das planilhas apresenta itens descontados ou arrecadados que as outras não têm.

A dificuldade em se obter o cálculo correto é imensa. Segundo a página Demonstrativos Contábeis do ICMS, do site da Secretaria da Fazenda, no ano de 2013 a receita total foi de R$ 120,2 bilhões. Ou R$ 112 bilhões, se descontar as “outras despesas”.

E o montante total repassado às três universidades deveria ser de R$ 11,5 bilhões. Mas foi somente de R$ 8,3 bilhões, segundo dados de orçamento disponíveis no site da Vice-Reitoria Executiva de Administração da USP. Neste mesmo local, a arrecadação de ICMS consta como tendo sido de R$ R$ 85,8 bilhões no mesmo ano.

O professor reivindica uma mudança no sistema da Nota Fiscal Paulista, para que não seja retirada de verba que seria utilizada para custear a educação, a saúde, a moradia.

“Essa devolução é ICMS arrecadado e não imposto cobrado a mais, como faz parecer o governo paulista. A lei que definiu a Nota Fiscal Paulista permite que seja retirado recurso da arrecadação para devolução. Pode-se fazer um programa para reduzir a sonegação. Mas não às custas do investimento e do repasse aos municípios”, disse o professor Miraglia.

Ao fim, os professores definiram suas reivindicações quanto à Lei de Diretrizes Orçamentárias: o fim do desconto do ICMS para habitação antes do cálculo do repasse às universidades e também do repasse da Nota Fiscal Paulista da mesma forma. E que se incluam os valores não repassados de multas e juros no valor contado para as universidades.

Essas questões vieram à tona após o anúncio de que a USP estava com seu orçamento estourado, tendo que utilizar as reservas financeiras para conseguir garantir o seu funcionamento. Hoje, a USP tem 105% do seu orçamento comprometido com a folha de pagamento.

Dentro dessa condição, o reitor Marco Antonio Zago anunciou que realizaria uma série de cortes em obras, aposentadorias e contratações na instituição. Os cortes atingiram também as pesquisas, auxílio a estudantes e bolsas em geral. Ele também divulgou uma carta em que responsabilizava o reitor anterior, João Grandino Rodas, de ter gasto R$ 1,3 bilhão, do total de R$ 2,5 bilhões das reservas financeiras sem conhecimento da comunidade acadêmica.

Saiba mais:

Embora a Unesp e a Unicamp não estejam com seus orçamentos comprometidos na mesma condição, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp), que reúne as direções das três instituições, apresentou proposta de reajuste zero a todos os docentes e funcionários e encerrou as negociações na última quarta-feira (21).

Os reitores das universidades paulistas foram convidados para participar da audiência, mas não compareceram nem enviaram representações.

Para os docentes, estudantes e funcionários, as reitorias deviam cobrar o governo estadual para aumentar o repasse e não propor cortes e arrocho salarial. “É inaceitável que os trabalhadores sejam responsabilizados pelo que foi feito na gestão Rodas, que não permitia qualquer participação da comunidade acadêmica nas decisões”, disse Miraglia.

Greve

Os professores, funcionários e estudantes das três universidades iniciaram hoje uma greve por tempo indeterminado. Cerca de 1,5 mil estavam presentes na audiência desta tarde.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Magno de Carvalho, a crise tem por objetivo a privatização da USP. “Essa crise está sendo dirigida. Mais que um problema financeiro, busca promover a privatização das universidades públicas.”

Para o diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) Pedro Serrano, isso é inaceitável. “Qualquer proposta que vise a privatização, a instituição de mensalidades nas universidades vai provocar a maior revolta da história destas instituições”, afirmou.

Ao final da audiência, estudantes, professores e trabalhadores aprovaram quatro encaminhamentos: pedir que a comissão de educação da Assembleia Legislativa convoque os três reitores para prestar esclarecimentos; solicitar reabertura da negociação com o Cruesp; realizar audiência pública sobre a situação financeira das universidades na Comissão de Finanças e Orçamento, e entregar carta de reivindicações a todos os parlamentares da casa, como foi feito com o presidente da assembleia, deputado Samuel Moreira (PSDB). Moreira não falou sobre o caso.

Os estudantes, funcionários e professores das três universidades reclamaram ainda do tratamento dado a eles na entrada da Assembleia Legislativa. Muitos tiveram mochilas revistadas, foram fotografados – prática incomum na assembleia – e tiveram de deixar pertences na portaria, como guarda chuvas, alimentos e garrafas plásticas com água. “Este espaço é do povo. É um absurdo passarmos por isso. Estão tentando limitar a nossa entrada”, protestou Serrano.