REFORMA TRIBUTÁRIA

Organizações pedem imposto maior para agrotóxicos, alimentos ultraprocessados, bebidas e cigarros

Medida busca desestimular o consumo desses produtos e compensar os males que causam à saúde, ao meio ambiente e aos cofres do governo e do SUS

Filipi Castilhos/RS
Filipi Castilhos/RS
Causadores de diversas doenças graves, os agrotóxicos gozam de benefícios fiscais que beiram a isenção total

São Paulo – Em meio à discussão da reforma tributária com um novo arranjo dos impostos no país, organizações reivindicam taxação maior para agrotóxicos, alimentos ultraprocessados, bebidas e cigarros, entre outros itens nocivos à saúde e ao meio ambiente. E não é à toa. Causadores de doenças agudas e crônicas graves, como diversos tipos de câncer, entre outros, os venenos agrícolas também contaminam o meio ambiente, trazendo ainda uma série de outras complicações.

Os chamados ultraprocessados, por sua vez, são alimentos industrializados, obtidos de matérias primas igualmente industrializadas, que praticamente nada têm de natural. Ou seja, ingredientes sintéticos, pobres em nutrientes. Em vez disso, causam diabetes, obesidade e diversos outros problemas associados, que levam a casos de infarto, derrame, amputações e uma lista enorme de complicações.

Do mesmo modo os cigarros e bebidas alcoólicas. Os primeiros figuram também entre os causadores de tumores malignos. E o álcool é uma das grandes causas de acidentes automobilísticos, que quando não matam, deixam sequelas graves.

Mais impostos para compensar o SUS

Em comum, todos são uma ameaça à vida e aos cofres do SUS. Mas gozam de isenções tributárias, como os agrotóxicos. Ou são favorecidos por alíquotas baixas. Com esses impostos todos que deixam de entrar no caixa do governo via renúncias ou benefícios fiscais, é como se a população brasileira estivesse pagando para ser envenenada, adoecer e morrer. Sem contar que os direitos constitucionais à saúde e ao meio ambiente equilibrado são desrespeitados.

É por essas e outras razões que, em nota técnica, a Oxfam Brasil e os institutos Democracia e Sustentabilidade (IDS) e de Estudos Socioeconômicos (Inesc) propõem ao governo uma reforma tributária saudável, solidária, sociobiodiversa e sustentável – a chamada Agenda 4S.

Para isso, propõem, entre outras medidas:

  • Instituição de tributos federais específicos para tabaco e bebidas alcoólicas, além de alimentos ultraprocessados;
  • Criação de estímulos fiscais para aumentar a oferta e a disponibilidade de alimentos saudáveis para a população;
  • Adoção de tributos específicos para produtos que causam danos à saúde e ao meio ambiente, como agrotóxicos e combustíveis fósseis;
  • Destinação obrigatória para o SUS de parte dos recursos arrecadados e;
  • Eliminação de subsídios concedidos aos setores e produtos que causam malefícios à saúde e ao meio ambiente.

Reforma tributária saudável, solidária e sustentável

Essas propostas, aliás, são consonantes com aquelas defendidas por mais de 70 organizações, entre as quais a Oxfam, o IDS e o Inesc. Um Manifesto pela Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária e Sustentável foi lançado no final de março e entregue aos relatores da reforma tributária, deputados Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Reginaldo Lopes (PT-MG).

No manifesto, os signatários defendem também:

  • A correção de mecanismos que conferem tratamento especial à renda dos mais ricos, bem como revisão da alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física ser de, apenas 27,5%;
  • A simplificação da tributação sobre o consumo e mudança na tributação sobre a folha de pagamento, custo das empresas que é transferido para o consumo; 
  • A regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), aprovado na Constituição de 1988;
  • Ampliação da progressividade do Imposto Sobre a Herança (ITCMD); do Imposto Territorial Rural (ITR); Imposto Sobre Propriedade de Veículos (IPVA) e a sua base de incidência para aeronaves e embarcações. Ambas são isentas atualmente.

“O debate sobre a reforma tributária é uma agenda crucial no Congresso Nacional hoje. Temos a chance única de tornar o sistema tributário mais justo e progressivo, aliviando a carga das pessoas de menor renda e aumentando a dos super-ricos”, disse Jefferson Nascimento, coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, em seminário promovido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara, na última quinta-feira (15).

Participaram também representantes do Ministério da Saúde e do governo. Entre eles, o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy. Segundo ele, o governo Lula estuda a sobretaxação desses produtos. No entanto, a definição de quais serão afetados pelo novo imposto será debatida após a reforma tributária.

Reforma deverá manter desoneração da cesta básica

Appy avalia que a reforma atende à Agenda 4S. Mas nem todos os ganhos serão tratados na Proposta de Emenda à Constituição em discussão no Congresso. Isso ficará a cargo de leis complementares, que farão a regulamentação. Exemplo é o cashback – o retorno de parte do imposto pago aos segmentos de menor renda, um mecanismo de promoção da justiça fiscal.

O secretário disse também que a reforma deve manter a desoneração de impostos de produtos da cesta básica. Mas isso não deverá se restringir a alimentos, e incluir produtos de higiene feminina, como os absorventes. Outro caráter social da reforma é o aumento da arrecadação por meio do crescimento econômico, que deve alavancar políticas públicas diversas. A expectativa é crescer 12 pontos percentuais nos próximos 15 anos. Para Appy, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços, que vai substituir cinco tributos sobre consumo, deve desonerar produtos consumidos pela faixa mais pobre da população.

No Brasil, rico paga menos impostos que o pobre

“No Brasil, o consumo do rico é menos tributado que o consumo do pobre. Por que? Porque rico, mesmo considerando a desoneração da cesta básica, consome mais serviço. E serviço hoje no Brasil é menos tributado que mercadoria. E pobre consome mais mercadoria”, destacou.

O secretário disse ainda que há a previsão de um Fundo de Desenvolvimento Regional, que vai priorizar projetos ambientalmente sustentáveis. E que o desenho da reforma também permitirá diferenciar a tributação de combustíveis fósseis e combustíveis renováveis.

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Redação: Cida de Oliveira – Edição: Helder Lima