Antonio Corrêa de Lacerda

Juros paralisam economia e ‘roubam’ recursos de investimentos e políticas, afirma professor da PUC

Trabalhador que recorre ao crediário compra um produto e paga três, diz o economista, que também critica o teto de gastos: “Não funcionou e nem poderia funcionar”

Reprodução/YouTube TV PUC
Reprodução/YouTube TV PUC
Perseguir o centro da meta de inflação de 3% 'é absolutamente irrealista e despropositado', critica o professor e economista

São Paulo – “Não existe política econômica neutra”, lembra, ao falar de juros, o professor Antonio Corrêa de Lacerda, do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Assim, acrescenta, a alta atual da taxa de juros no Brasil “provoca estagnação da economia, rouba recursos que poderiam ser carreados para investimentos, políticas sociais, e encarece o crédito”. Lacerda participou ontem (19) à noite do evento Economia Política em Debate, da pós-graduação.

O efeito disso na prática se dá, por exemplo, nas compras. “O trabalhador que recorrer ao crediário para comprar um eletrodoméstico vai pagar três”, diz o economista. Além disso, se por algum motivo atrasar as parcelas, pagará cinco ou seis.

Taxa de juros, demanda e oferta

“Temos um regime de metas que não diferencia inflação de demanda de inflação de oferta”, afirma ainda o professor. Nesse segundo caso) a elevação da taxa básica complica o quadro. “Esse regime de metas tem uma visão de curtíssimo prazo. Inflação no ano corrente, é um período curto. Você perseguir o centro de uma meta de 3% é absolutamente irrealista e despropositado”, critica. O atual centro está fixado em 3,25% pelo Conselho Monetário Nacional para este ano e 3% no ano que vem, com tolerância de 1,5 ponto percentual.

E claro que o fato de o país não atingir a meta se torna um argumento a mais para manter as taxas e juros lá em cima. Lacerda também questiona as “fontes” usadas pelo Banco Central para capturar expectativas de inflação, como o O Boletim Focus, “que a mídia define erroneamente” como sendo do BC. “Esses economistas trabalham para os detentores da dívida pública, que direta ou indiretamente é corrigida pela Selic.”

Mídia não faz contraponto

A crítica se estende aos veículos de comunicação comerciais. “A mídia não pratica jornalismo em grande parte das vezes. Não faz contraponto. Cria um falso consenso. “(De) manhã, tarde e noite, dezenas de economistas do mercado financeiro ou ligados a ele repetindo sua narrativa.”

As próprias empresas precisam ser vistas como ativos sociais, diz Lacerda, reservando ironia aos antigos responsáveis pela Operação Lava Jato. Nos Estados Unidos, observa, quando há problemas de compliance (corrupção, por exemplo), a diretoria é afastada e os administrados, multados, mas a empresa é preservada. “Quando você destrói o setor de construção pesada, como foi feito no Brasil, é um verdadeiro crime.” Integrante da equipe de transição, Lacerda diz que o momento é de reorganizar o Estado e a governança, mas lembra que as mudanças não são imediatas.

O teto faliu

Nesse sentido, ele considera que o chamado arcabouço fiscal “não é nenhuma maravilha, mas é o que é possível apresentar, diante de uma lei do teto que faliu”. Ele relacionou o “teto de gastos”, prestes a ser substituído à “cantilena da fadinha”: o discurso de que a confiança trará de volta o crescimento. “Não funcionou e nem poderia funcionar”, afirma o professor, observando que a medida aprovada ainda no governo Temer não considerava fatores como flutuações da economia, variações da população e o próprio quadro internacional. “Só poderia resultar em uma coisa, limitar a intervenção do Estado.”

Assim, a PEC da Transição aprovada na passagem para a atual gestão foi necessário para impedir o lockdown, a paralisação do governo. Já o arcabouço impõe varias restrições, mas se for aprovado da forma que está permite ainda alguma flexibilidade de gastos. “Se eventualmente você não atingir o déficit fiscal zero, isso não é nenhum impeditivo para a condução da política econômica”, completa. Ele lembra que Estados desenvolvidos têm déficit, mas “não são perdulários”.

Cenário internacional

Lacerda comenta de novo sobre o papel de uma nota só da mídia, o que já representa uma desvantagem para o atual governo. Para pior, ele considera que o Executivo é ruim de comunicação. “A taxação de produtos importados, que é tecnicamente correta, foi mal divulgada e perdeu o debate”, constata.

Por fim, ele lembra que a nova regra fiscal depende de aumento de arrecadação. Mas vê alguns sinais positivos: níveis de reservatórios maior, a aparente superação da covid na China, o anúncio dos Estados Unidos de que já fez seu “ajuste” nos juros. “Você pode ter um cenário internacional um pouco mais favorável do que nos últimos anos”, diz Lacerda, sem deixar de lembrar que o caminho ainda é “tênue”.



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