Mundo tão desigual

Gil: ‘associação leviana’ do desenvolvimento com riqueza material leva à desigualdade

Em debate sobre Celso Furtado, ex-ministro Renato Janine diz que as mazelas brasileiras são “resultado de meticuloso planejamento”

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Gil, Janine e Moreira: reflexões sobre a falta de um projeto de desenvolvimento nacional, que Celso Furtado sempre defendeu

São Paulo – Um economista (Eduardo Moreira), um filósofo (Renato Janine Ribeiro) e um compositor (Gilberto Gil) se reuniram para refletir sobre Celso Furtado, que completaria 100 anos em 2020 – e em um momento em que pensamento e planejamento parecem ter sido riscados da agenda. Para o professor Janine, ex-ministro da Educação, por exemplo, o país vive “momento de grande autodepreciação”.

O tema do encontro realizado ontem (13) era “um projeto sobre o Brasil”. Janine avalia que o país – depois de duas décadas de política ao menos “civilizada” – vive um período de “retrocesso profundo”. Mas ele também observa que – com exceção de alguns períodos históricos – o subdesenvolvimento brasileiro é “produzido”, não fruto do acaso.

“As mazelas não são frutos de carência, mas resultado de um meticuloso planejamento”, diz o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP). “Não somos um fracasso de inclusão social, somos um êxito de exclusão social. A sociedade brasileira tem a desigualdade tão incrustada nela que até medidas que visam reduzir a desigualdade são muitas vezes apropriadas pela desigualdade.”

Revolta parcial

Se por um lado cotidianamente há notícias de alguém “fazendo barbaridade”, como o juiz que destratou o policial em Santos ou o o morador de Alphaville que insultou o entregador, por outro, pelo menos essas histórias parecem estar causando repulsa. “Mas essa opinião pública, devo acrescentar, está revoltada com isso no plano dos costumes, não no plano da desigualdade social e econômica”, pondera Janine.

Assim, diante de um governo “que não tem a menor capacidade de gerir uma política de inclusão social” e de um momento obscuro, é preciso pensar e preparar projetos. “Pensar um pouco menos em nomes de candidatos e partidos e mais em projetos, projetos que unam”, defende o professor, pedindo união em torno de “valores, ideais, projetos”.

O encontro de ontem – na verdade, uma série de atividades em torno do legado de Furtado – foi organizado pelo Observatório de Fortaleza, ligado à prefeitura, e pela Escola Superior do Parlamento Cearense (Unipace), vinculada à Assembleia Legislativa. O debate com os três, mediado pelo conselheiro Edilberto Pontes, do Tribunal de Contas, encerrou o evento.

Inserção altiva no mundo

“Não existe liberdade com desigualdade”, diz Moreira, para quem o país não dá oportunidade a todos os brasileiros para produzir, criar e crescer. Durante duas décadas atuando em banco de investimentos, ele falou sobre sua aproximação com os movimentos sociais, particularmente com os sem-terra.

Dessas conversas, então, surgiu o Finapop, parceria entre investidores e o MST para financiamento da agricultura familiar com taxas menores inclusive que a de bancos públicos. “O mundo precisa de pontes, tem capital em excesso, só não é  usado da forma que precisa”, afirma o economista.

Para Gil, que foi ministro da Cultura no governo Lula, o também ex-ministro Celso Furtado (Planejamento e Cultura, em épocas diferentes) foi “um dos primeiros intelectuais a serviço do Estado que colocaram a necessidade de inserção brasileira no mundo. Inserção mais digna e altiva do Brasil no concerto das nações”, emendou o cantor e compositor, que em 2003, como ministro, chegou a tocar na sede das Nações Unidas, com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, acompanhando no atabaque.

A cultura apresenta-se como força política, “como elemento caracterizador dessa possibilidade de desenvolvimento humano”, diz Gil. Ele lamenta a “associação leviana” do desenvolvimento com a riqueza material, com grandes formas de acumulação. Isso tem, conclui, “profundas implicações com a desigualdade”.

Os diferentes não precisam ser desiguais, acrescenta. “Basta ser diferentes, igualmente contributivos.”


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