modelo econômico

Nova República acabou e novo ciclo se abre nas eleições de 2022, diz Pochmann

“Estamos noutro ciclo político que está em disputa. É um ano chave nesse sentido. A gente pode confirmar o que vem desde 2016 ou interromper esse processo”, afirma o economista e professor

Wenderson Araújo/CNA
Wenderson Araújo/CNA
Com 19 milhões de famintos, Brasil exporta gêneros primários, enquanto importa bens e serviços digitais

São Paulo – De acordo com o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Brasil atual se parece cada vez mais com a República Velha (1889-1930). Na política, predominam o mandonismo e o clientelismo, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) atua como uma espécie de “Poder Moderador”. Na economia, o país exporta gêneros primários, enquanto é o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais importados. “É uma equação que precisa ser alterada”, afirmou. “Para isso, o Estado digital é fundamental.”

Ele acredita que período da Nova República, iniciado com a Constituição de 1989 simplesmente acabou a partir do golpe do impeachment de 2016. De lá para cá, duas “deformas” – a trabalhista e da Previdência – contribuíram para o agravamento das condições de vida da população.

Segundo Pochmann, as eleições de 2022 podem redefinir os rumos da economia e da sociedade brasileira. “Estamos noutro ciclo político que está em disputa. É um ano chave nesse sentido. A gente pode confirmar o que vem desde 2016 ou interromper esse processo. Está nas nossas mãos.”

O economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), classificou como “bestialidade” o fato de um país que produz cerca de 3,2 quilos de grãos per capita por dia tenha 19 milhões de pessoas com fome. Essa brutal distorção, segundo ele, se deve ao fato de que as exportações do agronegócio não pagam impostos, conforme foi estabelecido pela Lei Kandir (1996).

Pochmann e Dowbor delinearam as saídas da crise no Brasil durante participação no seminário Para a Transformação do Brasil, promovido nesta semana pelo canal Resistentes. Por motivos de saúde, a economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliane Furno, teve que se ausentar.

Outro Estado

Para Pochmann, o “Estado digital” que ele propõe tem paralelos com o “Estado industrial” surgido a partir da Revolução de 1930. Como antes, o desafio agora é retomar a soberania do país. Isso porque o mundo digital é dominado por cinco grandes companhias estrangeiras do setor de tecnologia que operam explorando os dados dos brasileiros.

“O Estado que nós temos foi construído ainda nos anos 1930, fundamental para construir a sociedade industrial. Mas na verdade esse Estado hoje está muito carcomido”, afirmou. Ele destacou que a Constituição de 1988 estabeleceu direitos “importantíssimos”, mas que dependeram de regulamentação. A maior parte dessa regulamentação, no entanto, foi feita na década de 1990, durante a hegemonia neoliberal.

Além disso, ele também afirmou que os arranjos políticos estabelecidos ao final da ditadura impediram qualquer “mudança substancial” no Brasil desde então. Como exemplo, lembrou que atualmente a bancada ligada ao agronegócio corresponde a quase metade dos 513 deputados eleitos, enquanto o setor responde por cerca de um quarto do PIB brasileiro. Em resumo, Pochmann ressaltou que o problema do Brasil não é econômico, mas político.

Democratização econômica

Dowbor também destacou que falar em democracia política sem falar em democratização econômica “não funciona”. O primeiro passo passa pela “inclusão produtiva” para combater a “subutilização” da força de trabalho. Segundo ele, são cerca de 150 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, mas apenas 33 milhões de vagas no mercado formal. “Um país que tem tanta coisa para fazer e tanta gente parada é um completo absurdo”, afirmou.

O economista defendeu a implementação de uma política de renda básica, além do fortalecimento dos programas sociais. Mais recursos na base da sociedade ampliariam o consumo, fortalecendo a criação de empregos. Ele destacou que o Brasil está “se desindustrializando”, e que as fábricas estão operando atualmente com cerca de 75% da sua capacidade.

Também é preciso acabar com a “aberração” do teto de gastos, segundo Dowbor. O aumento dos investimentos em segurança, saúde e educação, por exemplo, garantiria renda extra aos trabalhadores, ampliando também o consumo.

Os recursos para tanto, segundo o economista, viriam da reforma do sistema tributário. Ele destacou que lucros e dividendos são isentos de impostos no Brasil. Além disso, o Imposto Territorial Rural (ITR) também é “baixíssimo”. “Se você coloca imposto, o cara ou vai produzir ou passar para alguém que produza. A reforma tributária é tanto questão de justiça, como é questão de dinamização da economia.” Dowbor ainda chamou a atenção para o custo do crédito no Brasil. “No exterior, as pessoas simplesmente não acreditam que no rotativo do cartão se paga 349% ao ano por aqui. No Canadá é 11%.”

Confira a íntegra do seminário