Apartheid global

Vacinas contra a covid-19: se não houver saúde para todos, não haverá para ninguém

Desigualdade no acesso a vacinas pelos países mais pobres coloca imunidade global em risco. Pesquisadores falam em visão “conjunta” e cobram dos mais ricos que o sistema de patentes e o pagamento de dívidas sejam repensados

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
Risco é de "apartheid global", alerta Ladislau Dowbor. "O resto do mundo está desprotegido. E isso vai gerar novas variantes em diversas partes do mundo que vão retornar em cima dos países mais ricos"

São Paulo – Se o Brasil vive uma situação dramática com a pandemia do novo coronavírus, em termos internacionais a crise sanitária também está longe de ser solucionada por conta da falta de acesso às vacinas contra a covid-19. De acordo com o Banco Mundial, enquanto os países de renda elevada concentram mais da metade das doses administradas, nos países de “baixa renda” apenas 0,1% das doses foram aplicadas.

Em seu comentário para a edição desta quinta-feira (8) do Seu Jornal, o professor de economia e administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Ladislau Dowbor alerta que, enquanto as nações mais ricas se apropriam dos imunizantes, “o resto do mundo está desprotegido. E isso pode criar novas variantes em diversas partes do mundo que vão retornar aos países mais ricos. Então, na verdade, a gente precisa de uma visão sistêmica, conjunta”, propõe. 

A preocupação do economista é com o risco de que o planeta passe por um “apartheid global”. Ele parte do que classifica como “constatação básica de que se não houver saúde para todos, não haverá para ninguém”. “Peter Drucker, um grande pesquisador de administração, dizia que não haveria empresa saudável numa sociedade doente. A gente pode dizer da mesma maneira (sobre a pandemia). Não haverá nação saudável numa sociedade doente”, observa. 

As vacinas e o fim à austeridade

Dowbor cita como referência um relatório recentemente publicado por economistas de peso, entre eles, um dos ganhadores do prêmio Nobel de Economia, Joseph E. Stiglitz, que trata a vacinação mundial como um desafio de colaboração e articulação internacional. O documento destaca que é preciso repensar o sistema de patentes. “Não é possível esse sistema de apropriação e de lucros fantásticos por parte de farmacêuticas diante desse desafio. Sobretudo porque grande parte do desenvolvimento das vacinas é financiado por recursos públicos”, explica o professor. 

O relatório também defende que seja assegurada ajuda financeira aos países mais pobres, em particular mobilizando os direitos especiais de saque do Fundo Monetário Internacional (FMI). No atual momento, segundo os pesquisadores, seria fundamental ainda repensar as dívidas desses países, que desviam seus recursos por pressão de bancos internacionais. “O relatório é muito claro sobre isso, o déficit não se enfrenta com austeridade, se enfrenta com investimentos. É uma nova visão, solidária, que vem com força”, destaca Ladislau Dowbor. 

Confira a análise 


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