Interesse público

Unifesp defende quebra de patente para fabricação de vacinas no Brasil

Além de defender a quebra de patente, reitora da Unifesp, Soraya Smaili, pede investimentos em laboratórios públicos, como Butantan e da Fiocruz

Reprodução/Butantan
Reprodução/Butantan
Quebra de patentes é importante, mas a produção de vacinas no Brasil depende também de investimentos públicos

São Paulo – A quebra de patente dos insumos da Índia e da China para laboratórios brasileiros fabricarem vacinas contra a covid-19 foi defendida hoje (21) pela reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili. “Se for necessário, sim (deve ser quebrada a patente). Se for de interesse nacional e da indústria, a gente tem de pensar em todas as possibilidades”, disse, em entrevista ao UOL.

Mas frisou que a ciência garante soberania, autonomia, a um país. E que sem dinheiro e política voltada à ciência, o Brasil vai continuar dependente da importação de insumos apesar de institutos públicos, como o Butantan, terem condições de criarem suas próprias vacinas.

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“Eles têm condições de criar. Tem muita experiência, profissionais muito bem formados. Hoje o Brasil desenvolve pelo menos cinco vacinas próprias, uma delas na Unifesp. Mas volto a dizer: falta investimento. Precisaria investir muito mais, milhões de reais em cada uma. Sem investimento sério e consistente, uma vacina brasileira pode até sair, porque as pessoas são muito dedicadas, mas vai demorar muito.”

Patente de vacinas

A quebra de patente de vacinas, testes diagnósticos e medicamentos de eficácia comprovada contra a covid-19 durante a pandemia tem sido defendida por governos, parlamentares, cientistas, médicos, especialistas e ativistas. O monopólio de uma empresa na venda de determinados medicamentos ou tecnologias impede a concorrência de preços e colocam em risco as ações de combate à doença que só no Brasil já matou 214 mil pessoas.

Em outubro passado, a Índia e a África do Sul apresentaram proposta de licenciamento compulsório à Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo brasileiro se posicionou contrário, ficando ao lado dos grandes laboratórios e dos países ricos, acabou suspensa na organização. Esta é uma das razões das dificuldades que o governo de Jair Bolsonaro vem enfrentando para importar as vacinas fabricadas na China e na Índia para serem envasadas e distribuídas no país.

Na ocasião, mais de 1,2 mil personalidades e especialistas em saúde pública assinaram carta de apoio à suspensão de patentes e exigindo o compromisso do Brasil com a proposta. Mas a OMC acabou suspendendo a discussão da proposta.

Vacinas para todos

Em maio, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), a Oxfam Internacional e mais 19 organizações já haviam lançado carta aberta a pedindo que a vacina, ainda em desenvolvimento na época), medicamentos e testes contra a covid-19 tivessem o licenciamento compulsório para serem produzidos em massa, disponibilizados a todos os países e distribuídos de forma justa e igualitária entre as população – e não apenas para aqueles que podem pagar. A carta foi assinada por ex-chefes e ministros de estado, ganhadores do Prêmio Nobel e cientistas de diversos campos.

A quebra de patente temporária é objeto do Projeto de Lei (PL) 1.462/2020, apresentado em 2 de abril, logo após a decretação do estado de emergência no Brasil. O PL altera o artigo 71 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, para instituir a possibilidade de licença compulsória em casos de emergência nacional decorrentes de declaração de emergência de saúde pública de importância nacional ou de importância internacional.

Até agora, o PL não foi distribuído para nenhuma comissão. É de autoria dos deputados  Alexandre Padilha (PT-SP), Alexandre Serfiotis (PSD-RJ), Carmem Zanotto (Cidadania-SC), Dr. Zacharias Calil (DEM-GO), Dr. Luiz Antonio Junior (PP-RJ), Dra. Soraya Manato (PSL-ES), Hiran Gonçalves (PP-RR), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Jorge Solla (PT-BA), Mariana Carvalho (PSDB-RO) e Pedro Westphalen (PP-RS).

Barreiras planetárias

O projeto tem amplo apoio de diversos setores, entre eles o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Para o colegiado, é preciso quebrar as “barreiras patentárias” para atender a necessidade das pessoas nesse contexto. “Passamos por uma grave crise sanitária no nosso país. Não podemos ficar reféns do monopólio de empresas. Precisamos garantir acesso à população brasileira diante da pandemia do Coronavírus para barrar o avanço da doença e garantir a vida das pessoas”, diz trecho de moção de apoio.

Até hoje, o Brasil quebrou apenas uma patente, a do medicamento da Merck Efavirenz, usado no tratamento do HIV-Aids. O licenciamento compulsório foi decretado em 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro da Saúde era o pesquisador da Fiocruz José Gomes Temporão.

Em 2001, o então ministro de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o também tucano José Serra, havia ameaçado a quebra de patente do Efavirenz e do Nelfinavir, com a mesma indicação de uso, patenteado pela Roche. Um acordo do governo FHC com os dois laboratório, porém, levou a uma redução no preço e a ameaça não foi cumprida.


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