Boiada macabra

Governo e mercado celebram leilão da Cedae enquanto o Brasil conta seus mortos

Leilão da Cedae é festejado por Paulo Guedes e Bolsonaro, enquanto nas ruas movimentos denunciam o desgoverno e as vidas levadas pela pandemia

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Após decisão do presidente do STF, Luiz Fux, foi batido o martelo da privatização da Cedae

São Paulo – No dia em que o Brasil se aproxima da triste soma de 404 mil mortes causadas pela covid-19, o governo de Jair Bolsonaro, o mercado financeiro e seus correspondentes na imprensa comercial comemoram a realização do maior leilão de privatização do país dos últimos tempos. Ocupado em fazer passar a boiada do desmonte do Estado para atender aos interesses de seus financiadores, Jair Bolsonaro acompanhou de perto o leilão. Nele foram arrematados três dos quatro blocos da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). No mesmo instante, centenas de manifestantes empunhavam cartazes denunciando a omissão do governo em meio ao contágio de mais de 15 milhões de brasileiros pelo coronavírus. Mas não terão espaço nos telejornais da noite, que farão segundos de silêncio em homenagem às vítimas da covid-19 – doença sem adversários no governo – e celebrará o “ágio” de 114% alcançado nos leilões.


Porteiros e domésticas, cujos filho Paulo Guedes quer longe das universidades e de Miami, protestam enquanto o ministro celebra o leilão da Cedaem (MTST)

Com a ajuda de Luiz Fux, governo do Rio promove leilão de empresa de água e esgoto


No centro de São Paulo, em frente ao prédio da B3, a Bovespa, o MTST promoveu um “escracho”, diante da presença do presidente. “Ao lado dos magnatas do mercado”, Bolsonaro comemorou mais uma boiada, a das privatizações. Outras boiadas são a “destruição das leis trabalhistas e da previdência social”. Enquanto isso, do lado de fora, o povo brasileiro lamenta a falta de vacinas, as novas cepas do vírus, o desemprego e a fome. “Não há outra palavra para descrever Bolsonaro que não seja genocida”, diz nota dos sem-teto. A poucos quilômetros dali, com bloqueios na Avenida Paulista, diante do prédio do Masp, a mesma mensagem era difundida pela Central de Movimentos Populares (CMP). “O Brasil chegou a 400 mil mortes por covid-19. E Bolsonaro, com seu negacionismo e sua necropolítica, é responsável por grande parte dessas vidas perdidas.”

Cidadãos consumidores

A pretexto de proporcionar “investimentos na universalização” do saneamento básico, o leilão dos três blocos da Cedae movimentou a soma de R$ 22 bilhões. O Consórcio Aegea, ficou com o Bloco 1, com lance de R$ 8,2 bilhões (“ágio” de 103,13%), para atender uma população de 2,8 milhões de pessoas. Agora, com o status de “consumidores” – e com a água e o saneamento transformados em mercadorias – eles pagarão o que for necessário para assegurar o lucro da operadora privada. Isso sem deixarem de pagar os demais impostos que já pesam sobre suas vidas. No Bloco 1 estão os moradores da zona sul da capital fluminense, os mais ricos da cidade, mas também os de 18 outros municípios do estado.

O Consórcio Aegea arrematou também o Bloco 4 por R$ 7,203 bilhões (“ágio” de 187,75%). Assim, terá como freguesia mais 7 milhões de pessoas do Grande Rio, centro e zona norte da capital. Por sua vez, 1,2 milhão de moradores de dois municípios a oeste da capital, mais os dos bairros Barra da Tijuca e Jacarepaguá, se tornarão clientes da Iguá Saneamento, que ficou com o Bloco 4 por R$ 7,286 bilhões (“ágio” de 129,68%). Feliz com os lances certeiros nos Blocos 1 e 4, a Aegea pulou fora desse. E também do leilão do Bloco 3 – como aliás todos os “concorrentes”. Ninguém deu lance pela área do leilão da Cedae onde vivem moradores da zona oeste da capital, consumidores menos abastados. O lance incluía ainda outros seis municípios da região metropolitana.


O Brasil chegou a 400 mil mortes por covid-19. E Bolsonaro, com seu negacionismo e sua necropolítica, é responsável, denunciam manifestantes na Paulista (CMP)

Segurança jurídica

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro chegou a aprovar ontem um Projeto de Decreto Legislativo, por 34 votos a favor e 22 contra, proibindo a realização do leilão da Cedae. A ideia era aguardar até que o Ministério da Economia autorizasse a assinatura do Acordo de Recuperação Fiscal do Rio. Mas o poder dos parlamentares eleitos pela população do estado foi suplantado pela autoridade do ministro do STF, Luiz Fux. O presidente daquela corte garantiu com seu martelo que os martelos da privatização fossem batidos na tarde de hoje, na B3.