PERDE O BRASIL

Sob protestos, Bolsonaro e Guedes confirmam abertura de capital da Caixa Seguridade

Bancários denunciam que abertura de capital é primeiro passo para a privatização e condenam ação, que não ocorre nem nos bancos privados

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Seguridade responde por quase metade do lucro da estatal

São Paulo – Sob muitos protestos dos bancários, a gestão Bolsonaro e Paulo Guedes confirmou a abertura de capital, conhecida como IPO (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial), da Caixa Seguridade. O pregão foi realizado nesta quinta (29), na Bolsa de Valores, na região central de São Paulo. Os trabalhadores denunciam que a operação representa o primeiro passo para a privatização da Caixa. Também rechaçam a estratégia utilizada, bem como a pressão exercida sobre os empregados diante da brusca queda de valor estimado para o negócio.

Dois dias antes, os bancários realizaram uma paralisação de 24 horas que travou o atendimento em agências por todo o país. Foi o chamado Dia do Basta, ao qual os organizadores estimaram em cerca de 40% a adesão. A CNN Brasil atestou a abrangência ao publicar nota afirmando não ter conseguido entrar em contato com ao menos 10 unidades em cidades paulistas. Eles seguem em estado de greve.

Recepção

Na manhã desta quinta, o presidente do banco, Pedro Guimarães, foi recebido por uma manifestação dos trabalhadores ao chegar à Bolsa. Dirigentes sindicais anunciaram a presença em meio a uma performance teatral que incluía uma viúva chorando. “(Guimarães) passando aqui para entregar o que é nosso, entregar o que é da população brasileira para os banqueiros ou para quem queira comprar”, disse Vivian Sá, diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, ao microfone. Eles ainda reforçaram denúncia de que ao banco pressionou para que os próprios empregados comprassem ações da Caixa Seguridade. “Teve gerente procurando a gente dizendo: ‘eu tive de fazer empréstimo pra poder comprar ações de tanto assédio que sofri'”.

A pressão para comprar ações, segundo denunciam os bancários, vem da queda do valor projetado para a abertura de capital da Caixa Seguridade. Eles afirmam que a gestão Bolsonaro-Guedes teve de suspender operação em setembro do ano passado por causa da instabilidade do mercado provocada pela pandemia. Na ocasião, o negócio estava avaliado em R$ 60 bilhões e agora, com o agravamento da crise sanitária, despencou para R$ 36 bilhões.

Nome aos bois

“Estão privatizando a Caixa”, denunciou Maria Fernanda Coelho, que foi presidenta da Caixa entre 2006 e 2011, durante live promovida pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) realizada na noite de segunda-feira (26). “A gente tem que chamar de privatização o que é privatização. A gente ouve falar em desinvestimentos, venda de ativos. Mas temos que nominar corretamente”, acrescentou a bancária de carreira responsável pela implantação e condução de programas como Minha Casa, Minha Vida, que financiou a aquisição de mais de um milhão de moradias, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Vender pra quê?

Além da privatização, os bancários denunciam que a gestão Bolsonaro-Guedes está entregando ao capital privado uma das áreas mais lucrativas da Caixa. O segmento representa nada menos do que 45% do resultado do banco. Argumentam, ainda, que os três grandes bancos privados do país – Bradesco, Itaú e Santander – não têm as ações das subsidiárias de seguros listadas em bolsa. No Bradesco, o braço de seguros corresponde a 50% do lucro.

“Fica um questionamento para a direção do banco: por que a Caixa faz isso enquanto os concorrentes privados, Itaú, Santander e Bradesco, não têm em suas subsidiárias de seguros empresas de capital aberto, e sim de capital fechado?”, disse o presidente da Associação de Pessoal da Caixa Econômica Federal de São Paulo (Apcef/SP), Leonardo Quadros, durante ato de protesto em frente à sede da Bolsa.

Outro erro estratégico apontado é que a abertura de capital vai causar descapitalização da ordem de um terço da estatal. Além disso, grande parte do valor arrecadado será usado para antecipar a devolução dos chamados Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD). “Estes recursos não têm prazo para devolução, mas o presidente do banco já anunciou que vai devolver aproximadamente R$ 35 bilhões em onze anos”, explicam, em artigo conjunto, Juvadia Moreira, presidenta da Contraf-CUT, a confederação nacional da categoria, e Sergio Takemoto, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).

Justiça e CVM

Na terça (27), o presidente da Federação dos Bancários do Centro-Norte (Fetec-CUT/CN), Cleiton dos Santos, protocolou na Justiça Federal de Brasília ação popular contra a IPO da Caixa Seguridade. Também assinam a ação o presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, Kleytton Moraes, e a secretária-geral, Fabiana Uehara Proscholdt, que também é coordenadora da Comissão Executiva dos Empregados da Caixa (CEE/Caixa).

Os bancários basearam a ação no conflito de interesse na atuação da Caixa como intermediadora na venda. Também alegam violação das normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), colegiado que regulamenta a oferta pública de ações.

Dias antes, o sindicato de São Paulo, Osasco e região protocolou denúncias na mesma CVM alegando descumprimento das instruções 539 e 400 da Comissão. “A Caixa Econômica Federal comete um crime quando, primeiro, cobra de forma abusiva de seus funcionários a venda de ações da IPO sem uma preparação e determinação de quem efetivamente poderia vender os papéis”, explica o vice-presidente da CUT-SP, Luiz Claudio Marcolino.

Segundo Marcolino, outro “crime” seria também oferecer as ações para 100% dos seus clientes, quando apenas 10% estariam qualificados para a compra, seja pela sua condição financeira, seja por sua perspectiva de investimento de médio e longo prazo. “Existe um processo de má-fé da Caixa Econômica Federal. Tanto que nas nossas denúncias estamos responsabilizando o presidente da Caixa [Pedro Guimarães] por esse desrespeito aos trabalhadores e às normas da CVM”, diz o sindicalista. Marcolino, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e ex-deputado estadual, é responsável por protocolar as denúncias.